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Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

Por dentro dos rios do tempo

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publicado em 28/07/2023 às 07h00
atualizado em 28/07/2023 às 04h54

 

Foi em 1977, acho. Como todas as maledicências da seca caíram nas nossas vidas, Dedé, a irmã mais velha, retirou-se com sua família e foi buscar guarida na Fazenda Acauã, em Aparecida, na região de Sousa.

Ficamos papai, de oitenta anos; duas mulheres que nada viam, duas mocinhas valentes de 18 e 19 anos, uma garotinha que viera com tia Anunciada morar conosco e eu, de 16 anos.

Tudo era medido e contado, bem diferente do tempo em que papai era um homem saudável, e mãe, o esplendor da vida com sua vista farta e florida.

Sabe-se lá por que, mas eu mantinha uma hercúlea vontade de estudar. Naquele ano, de favor, passava a semana na cidade, na casa de Dona Raquel Batista, e nas sextas-feiras, voltava aos pés da Serra do desterro, onde ficava nossa casa solitária.

Havia alegria. O rádio de oito pilhas, desde que seus transístores fossem segurados por um palito de fósforo, me assegurava a sintonia da radio Globo, onde ouvia a transmissão do jogo do Botafogo; o time de futebol de Areias me cooptara para jogar contra o de Fazenda nova; eu ganhara expertise na feitura de arapucas; papai passara a semana sem tossir e mãe não sofrera com as dores nos olhos carcomidos pelo glaucoma.

Um sábado, daqueles em que a saudade gritava pelos seus amores, resolvi visitar Dedé. Estava, como o seus, muito mal acomodada. Ali. também havia seca, precisões, sofrimento, distante da sua família, em terras que não eram dela.

Em uma semana, voltei. Férias escolares. Uiraúna não tinha o que me oferecer. Cruzei a cidade, adentrei na estrada longa, Sol causticante, passadas largas, sozinho, meus sonhos e meus temores.

Cheguei à tardinha. Tia Anunciada morrera um dia antes. Minha mãe com seus olhos mortos estirados para o nada, papai escornado dentro de uma rede, minhas irmãs na labuta. Naquele dia, antevi a minha sina, um vazio de outra natureza.  Em uma adolescência tardia, percebi o meu destino. Eu perdia, paulatinamente, o meu lugar. Os estudos seriam o meu destino e solidão.

@professorchicoleite

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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