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Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

Maroca

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publicado em 10/06/2022 às 07h00
atualizado em 09/06/2022 às 19h55

Não me lembro dela antes dos meus nove anos. É como se Maroca morasse sempre ali, na casa de taipa, a uns duzentos metros da minha, após a casa de Bela de Chico Grosso.

Soube que se chamava Antônia Sabina, mas não consigo imaginá-la com esse nome. Maroca sempre estava na nossa casa, sobretudo nos domingos, na cozinha com minha mãe. Olhos bem quietos e miudinhos, prestando atenção nas conversas.

Falava pouco e baixinho. Do seu esposo, Manoel Ferreira, lembro-me de umas conversas soltas, contadas a papai, que teria vindo do brejo paraibano em busca de alguma melhoria.

Maroca era uma mulher branquinha, tão alva, que o Sol e a seca, que lhe caíam à pele, demoraram muito, para vencê-la. Uma mulher magrinha dentro de um vestido longo, de chita, puído pelo tempo, pela falta de tudo, mas pintado de florezinhas coloridas e silenciosas.

Maroca era um anjo pequenino, desses que se disfarçam de gente e se tornam invisíveis, embora vivesse, diariamente, dentro de um barulho e de notas familiares, impróprios para quem só tinha mansidão.

Simplicidade e paciência. Concordava com todas as indisposições do destino, folha límpida de maldade, correndo nos rios caudalosos da vida, escalando o tempo, que chacoalhava intempéries aos seus pés, mas sabedora de que as tempestades têm um momento de descanso.

Não me lembro de ter visto Maroca maldizendo-se. Se isso ocorreu, foi apenas nas dores lancinantes do final de vida, porque as pessoas que têm a natureza de Jó hão de provar da crueldade da vida, de forma muito além da humanidade.

São deusas, daquelas que carregam consigo três galhos de mussambê, curando as espinhelas caídas, buchos inchados, lombrigas mal-educadas, mau-olhado e outros males de outros inocentes.

@professorchicoleite

Maroca era isso. Um paradoxo. Um tudo-um-nada. Está no céu, dando risadas do tempo, alheia ao que não pode se opor, passeia em um vento sereno, nas matas da Serra do Desterro, catando semente de mororó, maravalha, acendendo o fogo para um café quentinho, dando risada curtinha pelo canto da boca.

@professorchicoleite

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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