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Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

 O outro lado do ovo

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publicado em 24/12/2021 às 07h17
atualizado em 24/12/2021 às 04h18

Completar sessenta anos é libertador. É como se trocássemos de pele, arrancássemos todas as cascas com que vestimos as nossas vaidades e nos cobríssemos de outra bem mais leve, translúcida e lúcida.

Não somente a pele. Em troca dos dedos que adornam mãos calejadas de tempo, atiramos os anéis pelo ar, os de esmeralda e os de latão também. Reluzentes, eles rodopiam inutilmente diante da nossa vista, que se torna seletiva e perscrutante. Enxerga as razões das coisas com peculiar sentido, pois é visão emborcada para dentro de si, e não para os defeitos dos outros.

Mas, isso não aparece de repente. Chega sem a gente perceber, como se nós tivéssemos nos preparados por sessenta anos para o instante único. Dir-se-ia que foi tempo de estágio, experimentação da vida, gozo ilusório para esconder batalhas cotidianas e suas rugas, mesmo as mais escondidas, que são as que guardam os melhores segredos, sulcos mais profundos cheios de lágrimas engolidas pelo choro.

É como se, por seis décadas, estivéssemos dentro de um ovo, cheios de nós mesmos, bordejando nossas reimas, nossas vontades, nosso sexo, amor teimoso e inverossímil, assim ensimesmados, assim mesmo como um sistema que só entende a si como mundo, além do qual nós não pudéssemos ver mais nada.

Completar sessenta anos é desabrochamento. Rompimento da casca: Eureca, tem gente do outro lado, dores como as minhas, alegria como as que desfilei, enganos, paradoxos: a prova dos nove de que as raivas, frustrações e o ouro que acumulamos foram em vão, prostrados à serventia do nada no exato momento em que o ovo cai vencido em duas bandas.

De um lado, o lado mascarado que se passou; do outro, uma vida que vai se desmaterializando, ganhando fluidez, desarticulação dos ossos, carnes afrouxadas, alma indo-se, indo-se para o nada, esse infinito do lado de lá, mas que só teremos a honra de enfrentá-lo na hora H, aquela em que juntamos as duas pontas da vida em um ponto cego, um big bang pelas avessas, big crunch, é isso?

@professorchicoleite

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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