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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Uma frutífera história de amor

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publicado em 14/04/2021 às 07h07

Salvador di Alcântara é seu nome. Nome de origem castelhana que guarda, em seu composto vocabular, a fluidez natural da musicalidade. Ao ritmo interno de uma típica redondilha menor, caracteriza um ser todo feito de arranjos e harmonias, capturado pelos liames iluminados da expressão artística.
Conheci Salvador di Alcântara nos idos de 70 do século passado nas lides estudantis. Era aluno de engenharia da UFPB, mas logo deixaria o curso que não lhe correspondia aos anseios mais íntimos, para se dedicar, de corpo e alma, à música, sua paixão maior. Chegamos a dividir um pequeno quarto numa das antigas pensões da rua General Osório, num tempo em que, ao calor da juventude sonhadora, se somava o afeto de uma longa e sincera amizade.
Música e poesia abriam-lhe as possibilidades de realização expressiva. Tanto é que, sem descuidar do violão e do cavaquinho, instrumentos de sua preferência, andava a exercitar poemas de índole experimental, na esteira das pesquisas inventivas da poesia concreta que o fascinava pela fatura sonora e pelo desenho visual, em meio à voz muda da página em branco. Vem daí seu primeiro livro, intitulado “Po… ética” (2008), a que prefaciei, referindo-me ao autor como “um poeta do espaço”.
Agora, explorando o campo aberto e renovado das amizades, comparece, à cena boêmia e artística, com “Gregos e troianos”, num volume que, prestando homenagem a uma variedade de amigos, procura registrar, sobretudo, os intercâmbios emotivos que permeiam as esferas afetivas, como se fora uma pequena cartografia de caracteres humanos que habitam um território real e ao mesmo tempo simbólico, no qual se faz o aprendizado constante da proxemia, isto é, do estar junto, no aconchego da sociabilidade, para me valer das categorias terminológicas de Michel Maffesoli, sociólogo francês que vê, no cotidiano, uma forma, uma forma de expressão lúdica que aproxima as pessoas.
Em diálogo icônico com as caricaturas de Régis Sores, Salvador di Alcântara descreve cada parceiro em versos heterométricos e na forma fixa do soneto, atento aos elementos identitários e singulares de cada personalidade. Se as composições não privilegiam a dimensão estética, dentro das exigências formais que concernem ao rigor na elaboração do poema, trazem à tona, contudo, os ingredientes de uma experiência existencial que garante a solidez dos espaços criativos, caracterizando-se principalmente como um documento de inegável riqueza sociológica, antropológica, histórica e moral.
É claro que tudo isso acontece num ambiente e numa geografia reais que tem por razão social “Bar do Baiano”, isto é, um bar, ou melhor, o bar dos Bancários, com toda a tribo de habitués e frequentadores diários e semanais.
Diria mesmo que ali, no seu terreiro/teatro, os músicos, como Alcântara, Teinha, Costinha e Bebé, por exemplo; os poetas, como Ed Porto, Edônio Alves e Acilino Madeira, por exemplo; cantores e intérpretes, como Meire, Magalhães, Sílvia Patriota, por exemplo; e tantos outros que mergulham, sem medo, no mar dos apelos sentimentais e que fazem da prosa, à mesa de bar, uma cerimônia eucarística em torno da vida, sobretudo das noites e madrugadas da vida; diria mesmo que ali, de repente, gregos e troianos não se odeiam como no mito, não se digladiam como no mito, não se eliminam como no mito, mas tecem o elevado enredo de uma frutífera história de amor.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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