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Professora Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP]. E-mail: [email protected]

Esquinas do destino

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publicado em 12/02/2021 às 06h18

O que é o destino? Será que existe? É imponderável e é inquestionável. Não há explicação. Não pode ser avaliado e não se tem argumentos. Imprevisível, não pode ser revelado e nem tão pouco controlado. Indeterminado. É concebido por uma sucessão de acontecimentos que fogem ao controle da vontade humana, relacionados a uma possível ordem cósmica, que não se consegue evitar.

Violeta e Afrânio moravam há quarenta anos no interior e tiveram três filhos: dois homens e uma mulher. A primogênita, Leda, tornou-se moça, de beleza estonteante e sedutora, o que incitava o desejo dos rapazes em paquerá-la e namorá-la. Era muito avançada para os costumes do lugar. Independente e dona de seu nariz. Costuma-se dizer: “muito para frente”. Hoje, com 88 anos tem muitas histórias para contar de sua vida, que relata sem maiores constrangimentos. Quando mocinha, tinha um primo, Artur, que vendia ouro para o ourives e distribuidor Ramiro, que morava em outro estado. Este, fazendeiro, solteiro, muito rico, negociava com ouro e gado. Um dia, Artur convidou Leda para acompanhá-lo na viagem de entrega do ouro que costumava vender. Isto acontecia todo mês. Lá se hospedava na casa de uma tia; com dois dias Artur já estava de volta. Leda resolveu ficar na casa da tia, que tinha uma filha adolescente para lhe fazer companhia. Sempre frequentavam a frente da casa para ficarem a conversar. Foi quando apareceu Ramiro em seu carro e bateu seus olhos em Leda. Criou o hábito de sempre passar por ali para vê-la. Ficou enamorado por ela e escreveu um bilhete dizendo que queria encontrá-la. Ela, muito humilde, não tinha sandália para calçar pois a única que possuía havia quebrado; comunica a ele. No outro dia mandou deixar-lhe um sapato. Marcaram a ida ao cinema perto de sua casa, em companhia de sua prima. Só que a prima ficou no cinema e ela foi com Ramiro conversar no banco da praça. Por várias vezes isto aconteceu até que Leda descobre que Ramiro era o ourives de quem seu primo pegava o ouro para vender. Aí, toda a família ficou sabendo, pois tratava-se de homem abastado, cujo patrimônio garantir-lhe-ia futuro promissor. Passou a ter tudo que queria: muitas roupas, joias etc. Numa dessas saídas, Ramiro levou Leda para um motel e começou o relacionamento. Ela engravidou e comunicou para ele que, de imediato, assumiu a paternidade, estava apaixonado e com boas intenções. Apressou-se e começou a cuidar dos preparativos para a celebração do casamento. Todos muito empolgados pois ele era grande partido na cidade. Leda manifestou a vontade de ir ao seu interior; desejava ver sua mãe. Encheu a mala de roupas e sapatos e certa quantia em dinheiro que Ramiro havia dado para sua genitora.

Ao chegar em sua cidade encontrou, na rodoviária, alguns amigos que comunicaram-lhe da festa da padroeira e que o baile rolaria por toda noite. Não deu outra. Pedro, pedreiro, ofereceu-se para acompanhá-la, dizendo que primeiro ia deixá-la numa casa e depois vinha buscá-la. A casa era um prostíbulo. Leda, com 17 anos, começou a chorar, foi quando a dona do bordel perguntou o que havia! Contou que Pedro a tinha deixado ali e ela não sabia. A proprietária da pensão ficou preocupada com ela, menor de idade e principalmente depois que avistara o irmão na casa. Disse: “se ele me ver aqui vai me matar e fazer a maior confusão” Seus irmãos eram tidos como pistoleiros e matadores temidos na região. Dona Adélia tratou de chamar um homem de sua confiança e pediu-lhe para levá-la em sua casa. O Sr. Roberto, hóspede que já estava indo embora para o sul, prometeu levá-la, pois morava no sítio. Durante o percurso Leda contou que estava grávida e que tinha vindo ver sua mãe. Roberto, ao ouvir sua história, propôs-lhe ir com ele para o Rio de Janeiro; ele assumiria seu filho como se fosse seu. Leda não pensou duas vezes e aceitou. Enquanto isso, Ramiro, que ficou no aguardo para poder casar, interpelou Artur, primo de Leda, que não teve como responder, pois há quase um mês não tinha notícias e nem sabia seu paradeiro.

No Rio, Leda viveu com Roberto 15 anos e teve mais dois filhos, foi quando apareceu Amadeu, um nordestino que vinha para a Paraíba, insinuando que podiam fugir juntos. Ela não teve dúvidas; pegou os três filhos e se mandou de volta ao seu interior. Aqui ela viveu e teve dois novos filhos. Faz 5 anos que Amadeu faleceu. O primeiro filho de Leda, formado em contabilidade, é um senhor bem situado, mas não conhece o seu pai. Hoje, Leda, com muitas limitações, vive com uma filha que é fisioterapeuta, de quem recebe cuidados especiais.

Tive oportunidade de conhecê-la. Idosa, apresenta as marcas do tempo mas com linhas bonitas. Disse-me: tenho sofrido muito ultimamente; acho que é pagando por muitas coisas erradas que eu fiz. Fui vítima da minha beleza e do destino que traçou a minha vida. Só Djavan (1984), sabe:” Só eu sei as esquinas por que passei”. É uma fatalidade, sina ou sorte a que as pessoas estão sujeitas no contexto de seu mundo. Ninguém é senhor de seu próprio destino. É algo que está traçado e a que não se pode escapar. Só Leda sabe as esquinas por onde passou!

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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