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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Tantas, as doenças!

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publicado em 02/12/2020 às 08h05

Primeiro, foi uma coqueluche das brabas. Quase inviabilizava minha estada nesse mundão de meu Deus. Tinha eu de 3 pra 4 anos, segundo minha mãe, e só me salvei, ainda segundo ela, devota de São Cosme e São Damião (foto), porque fizera e cumprira uma promessa em prol de minha recuperação.

Menino de cidade pequena, com um pé na roça e outro na praça, ora com baladeira, matando passarinho, ora com bola de meia em time de pelada, fui crescendo e topando com as doenças do mundo: das mais simples para as mais complexas. Das mais comuns para as mais estapafúrdias. Das mais inocentes para as mais cabeludas.

Constipação, febre, frieira, dor de dente, cefaleia, diarreia e um puxadinho em noite de frio, nos mágicos invernos de meu Cariri mui amado. Sofri as primeiras verminoses (lombriga, solitária, giárdia, ameba e que tais), brincando de curral de boi de osso, tomando banho de açude e apostando corrida em lombo de cavalo. De viajar, com meu pai, montado na sela da burra mula, descobri o desconforto da íngua, assim como, da labuta de cortar palma e de pegar caçuá pesado, a pontiaguda dor da espinhela caída.

– Vá, meu filho, ver o rezador Joaquim Cosme. Ele cura de um tudo, dizia meu pai.

E lá fui eu, despachado no Granfino, cavalo branco, baixo e baixeiro, pelo descampado enorme de um domingo rural. Depois da reza, na qual se misturava um “nervo torto e uma carne trilhada”, com ramos de urtiga e duas lágrimas grossas rolando na cara do velho, vinha a cura, devagar e gostosa, com a respiração fluindo solta, e a dorzinha, na sua finura cortante, já se esvaindo embora.

Depois, o sarampo, a papeira, a catapora. Desta me ficou uma herança, isto é, o vírus incubado da herpes zoster, que, depois dos 50, baixando em demasia a imunidade, me fez presa de um cobreiro da gota serena. O bicho, se não me cegou nem me deixou surdo, no entanto, me avariou por inteiro pelo resto da vida. Se tomar um porre, por exemplo, adoeço, de 5 para 8 dias, e a ressaca se transforma numa tragédia. Viro um farrapo humano!

No âmbito gastrointestinal, além de uma baita intolerância à lactose, evoluí de uma gastrite nervosa para uma úlcera sisuda, que costuma me visitar nas madrugadas vazias, disputando o manjar de meu desamparo, com as mandíbulas ferozes da insônia, e quando não resisto ao prazer das gorduras carnívoras e às delícias translúcidas do álcool. Afinal, comer e beber são rituais tão bons quanto outros que contemplam os verbos da segunda conjugação.

E tive dengue e tive bursite. Tenho renite, sinusite, e, com a velhice chegando, já começo a prosear com a artrose, a artrite, a tendinite, o reumatismo, o cansaço de todas as coisas e outras incômodas categorias patológicas que comprometem, de vera, o ideal de uma vida saudável.

Meu ponto fraco é o território delicado dos olhos. Claro: tive conjuntivite, mas isto não é nada diante da dificuldade da vista curta, que me obrigou a usar óculos desde a mais tenra infância. Tenho astigmatismo e hipermetropia e já tirei os cristalinos originais para pôr, em seu lugar, lentes artificiais, através de uma cirurgia de catarata. Fiquei bom? Nada. Tudo continua como dantes no quartel de Abrantes.

Agora convivo com um deslocamento de vítreo, ou seja, com a companhia das moscas volantes, vendo fantasmas em pleno meio dia. Antes que me esqueça, tenho também unicofagia, associada ao TOC – transtorno obsessivo compulsivo. Mas estas não são doenças do corpo; já são doenças da alma. E para falar delas, o espaço que me dão, na Letra Lúdica, é pequeno por demais.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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