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Graduada em direito e pós graduada em direito criminal e família, membro da academia de letras e artes de Goiás, tenho uma paixão pela escrita Acredito no poder das palavras para transformar realidades e conectar pessoas

Campo de batalha silencioso

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publicado em 28/08/2025 ás 07h00
atualizado em 27/08/2025 ás 20h28

Há homens que não sabem ser homens. São pequenos diante da própria covardia, mas fazem questão de se impor com gritos, tapas e humilhações. Não entendem que amor nunca pediu prisão, nem que respeito se conquista pelo medo. Chamam isso de “cuidado”, de “zelo”, mas não passa de posse — e posse nunca foi afeto.É nesse terreno que a misoginia cria raízes: na ideia de que a mulher deve se calar, se submeter, se moldar ao capricho do outro.

Dentro de casa, essa crença se torna mais cruel, porque o lar — que deveria ser refúgio — se converte em campo de batalha. Ali, onde se espera aconchego, instala-se o medo: medo da chave virando na fechadura, medo da voz que muda de tom, medo da mão que pesa. Muitas mulheres vivem essa guerra diária, travada entre quatro paredes, sem testemunhas.

A violência atinge níveis alarmantes no Brasil: em 2024, foram registrados 1.492 feminicídios — uma média de quatro mulheres mortas por dia por sua condição de gênero, em sua maioria por companheiros ou ex-companheiros e dentro de casa . Desde 2015, ou seja, na última década, foram assassinadas quase 12 mil mulheres por essa motivação .

Esses números são a face cruel de uma cultura marcada pela desigualdade e pela falha na proteção.E, ainda assim, a pergunta covarde insiste: “Por que ela não vai embora?”. Como se fosse simples abandonar a própria vida, os filhos, o teto conquistado. Como se não houvesse ameaça, manipulação, dependência, vergonha. Sair não é apenas abrir a porta — é romper uma teia de medo e de controle que sufoca cada passo.

É preciso coragem, e coragem não nasce sozinha: ela é sustentada pelo apoio, pela rede, pela mão estendida.Nesse contexto, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) representa um avanço fundamental: criou mecanismos de proteção como medidas protetivas de urgência, varas especializadas, delegacias, casas-abrigo, auxílio social e psicológico às mulheres em situação de violência .

Estudos indicam que a lei contribuiu para reduzir em cerca de 10% os homicídios domésticos contra mulheres e ampliou a infraestrutura de proteção, ainda que de forma desigual no país .Homens assim, mal caráter por essência, acreditam que podem dominar. Mas esquecem que a história já provou, vez após vez, que nenhuma mulher é propriedade de ninguém.

Mulheres queimaram sutiãs, romperam correntes, marcharam, denunciaram, sobreviveram. E continuam.

Porque cada vez que uma mulher ergue a voz, enfraquece séculos de silêncio.E a verdade é esta: quem levanta a mão contra uma mulher já perdeu há muito tempo — perdeu a humanidade, perdeu o respeito, perdeu a chance de ser chamado de homem.

A violência doméstica não é problema de uma casa, é problema de uma sociedade inteira. E enquanto houver misoginia travestida de amor, de tradição ou de autoridade, será dever coletivo desmascarar, denunciar e não aceitar. A Lei Maria da Penha está aí para proteger, mas precisamos ser a mão estendida que faz a proteção real.
Porque nenhuma mulher veio ao mundo para ser calada.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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