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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Carta para Virginia Woolf

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publicado em 23/08/2025 ás 07h00
atualizado em 23/08/2025 ás 07h36

Prezada escritora, premonitória inesgotável, escrevo para lhe dizer que Orlando morreu, mas sua ternura pendura.

Já vai longe a minha juventude e meus pequenos roques e tiques rurais. Já não tenho mais o que questionar.

Quando saio para ver o sol, sinto falta de mãos outras, certamente as mãos que nunca andaram juntas, mãos dadas.

A vida vai nos mostrando respostas hábeis, querida Virginia, além das soluções dinâmicas, quase sempre em terra plana. Quase nunca terra à vista. Não tenho mais tempo para navegar.

Cenas evidentes. Saudade do tempo em que eu era um rei e você não era ainda meu real amor.  Sim, eu sinto a vertigem de quem vive o ciclo do fogo no triângulo do amor. Por isso não vejo a lua atravessando mais as nossas vidas.

Quando leio você, cubro o rosto para chorar e sei que a chuva aduba minha vida sozinha, mas sinto o tamanho do glorioso guarda-chuva que esqueci naquele pub, que eu chamava de paraíso você indecisa atrevessava outras formas de viver.

Acorda meu amor, vem me ouvir cantar pra você.

Embora eu tenha viajado por mares dantes, e nunca isso o tempo inteiro, mas olho para trás e vejo que tudo está em paz.

Sonhei com Mrs Dalloway, que me trouxe uma mistura de gin com tonica presente de uma amiga, com flashbacks alternados com reflexões mentais da sua personagem, flertando com comigo e com filosofia

Também não desprende o tesão de quem urra num show. Ou fica filmando a cena como uma criança num parque de diversão. Roda, roda, roda, gigante.

Tudo vai acontecendo e as coisas morrendo no quadro do desejo, mas não foi você que me ensinou que o desejo é o único verdadeiro pecado. Foi Lacan. Sei que a sua imagem nua, continua dando senhas em mim, né?

Pernas andróginas de Orlando, não são minhas, mas sempre do outro lado de seu lado, querida Virginia Woolf.

Só falta gozar junto trazendo a inquietude de bandeja, anunciar novo prato e repetir. Puxa vida! Falando sério: eu não estou de brincadeira, Virginia. Sou um homem velho.

É bem melhor você parar com essas coisas… Se não, a torre treme, o sertão inunda e é bem capaz que eu seja o Riobaldo, dessa vez fazer acordado, que você nunca leu Diadorim.

Então, Orlando morreu mas ternura perdura.

Kapetadas

1 – Precisamos investigar essa investigação. Qual?

2 – A civilização como nós a conhecíamos virou um intervalo comercial entre catástrofes.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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