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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Originais do poetinha

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publicado em 22/07/2025 ás 19h13

Hildeberto Barbosa Filho

O poeta me mostra seus originais com o ar de quem fez grande proeza lírica. Pede-me que o leia com atenção e, se possível, diga qualquer coisa sobre suas pretensões literárias. Pretende, claro, diz ele, publicar suas primícias expressivas, assim que puder. Acredita, não se sei se com ou sem falsa modéstia, que seus poemas podem trazer um diferencial estético na mesmice provinciana.

De certa maneira, cá na terra de Augusto dos Anjos, todos, ou quase todos, principalmente bacharéis e bacharelas, contabilistas, membros do Rotary Clube, evangélicos, corretores de imóveis, jornalistas e que tais não temem o risco de cometer um versinho qualquer. A vaidade, como que patogênica, se sobrepõe à ordem salubre da convivência intelectual, na sua honestidade e grandeza.

Pois bem, fui ler os originais do poeta primaveril. Primeiro me ative ao mínimo mandamento que deve reger a ação de quem se mete a escrever. Escrever principalmente o verbo literário. Isto é, o conhecimento e o domínio da língua. Constatei, não digo que espantado, pois, como diz o poeta grego, nada do que é humano me espanta.

Constatei, dizia, erros menores de concordância, de pontuação, de ortografia. Vi que não se trata dos ditos erros funcionais que buscam efeitos estilísticos, tão praticados, e praticados conscientemente, pelos poetas modernos, sobretudo, depois dos gritos e da zoada nas três noites da Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro Municipal de São Paulo.

No que tange à esfera técnica, por exemplo, atos como cortar o verso, efetivar um enjambement, exercitar uma rima, configurar uma aliteração ou uma sinestesia, explorar o tecido metafórico, enfim, socorrer-se dos chamados recursos retóricos para, cada vez mais, semantizar o poema nas suas polissêmicas ressonâncias, vi-me diante de uma absoluta nulidade. Aquilo não era poema, era prosa menor, mal arrumada no acabamento dos versos.

O conteúdo se resume ao puro e ingênuo confessionalismo, ou seja, àquilo que os irmãos Campos bem nomearam de “poesia lágrima” ou “poesia soluço”. Sentimentos, emoções, sensações, estados d`alma, enfim, toda a cadeia de clichês e estereótipos que conformam a frouxa e gordurosa arquitetura do lirismo besta e açucarado. Coisa humana. Não coisa estética.

O poetinha me causou um desconforto e um constrangimento daqueles! Sua poesia me pareceu um erro de percurso, um acidente idiomático, uma explosão de tolices e banalidades que só podem depor contra o autor que a cultiva, não sei se por ingenuidade, arrogância ou megalomania.

A propósito, a arena literária da província é fértil na criação de tipos e modelos desta natureza. Eventos, lançamentos, festas literárias, academias, salas de aula ou qualquer território institucional e público que abra espaço para as letras, estão cheios desses pequeninos, raquíticos e anêmicos literatos. Miúdos percevejos que empestam os ambientes.

Na verdade, a mediocridade se alimenta da mediocridade. A bajulação, a conveniência, a idolatria, o corporativismo, o interesse mesquinho fazem o resto.

Não sou inocente. Sei que o poetinha sabe isto como ninguém. Se seus versos são ruins, extremamente ruins, ele é muito bom na paparicagem e bajulação dos maiores e sabe fazer caminho por dentro dos labirintos das instituições culturais como poucos. O poetinha é isto: um tipo característico do nosso meio artístico, um penetra a furar os recantos sagrados da república das letras.

Fico me perguntando como dizer tudo isto a ele. Não gosto de mentiras, adulações, panos quentes. Mas vou dizer. Já estou dizendo, aqui, na plataforma desta Letra Lúdica. E o faço em nome de uma ética cultural e humana que pressupõe a verdade e a sinceridade diante do poema. Lá no fundo, sinto que não faço o mal. Sinto que me move um gesto singular e corajoso no palco das amizades literárias.

Seus originais, poetinha, só têm um lugar adequado, um receptáculo próprio para produtos como os seus: a lata de xilo. Poupe-me e a outros dessa idiotice e dessa estupidez. Não queira, como tantos, enriquecer o dicionário de Bouvard e Pécuchet, idealizado por Gustave Flaubert. Nem me fazer parodiar o verso de Drummond e dizer: – Vai, poetinha, ser besta na vida!

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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