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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Louvação a Oliveira

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publicado em 13/09/2023 às 07h00
atualizado em 12/09/2023 às 19h37

 

A sextilha é pouca.

A décima, desta vez,

não me serve.

O soneto, suprassumo

da forma, não caberia.

Muito menos

o oitavão rebatido,

o martelo alagoano,

o decassílabo que sei

de cor,

sáfico ou heroico,

na cesura de meu coração.

Que devo cantar?

O que canto ainda não tem

a medida do verso.

O verso que vai e volta

como o ciúme, a tristeza,

o desejo de pegar a beleza

com as mãos,

como se pegasse uma pitanga

que guarda o aroma

esverdeado da poesia.

Que gramática não se curva

à sua caligrafia de espantos?

Nem as imagens me servem

nesta hora de agonia.

Talvez o martelo agalopado,

a gemedeira ao pé

de um enjambement.

Talvez, quem sabe,

os dentes do verso livre,

a língua do verso branco,

aquela metáfora tresloucada

que me diz que a vida é quase

um repente, um velho poema

que se deixa por fazer.

Vim de Panelas,

agreste que me deu sangue

e voz,

voz e nome,

nome e nomenclatura,

nomenclatura e genealogia,

nome e poesia.

Palma miúda, palma gigante,

casa de maribondo, esqueleto

de vaca na caatinga,

e já dedilhava o silêncio

das formigas na música

do poema.

Cantei, um certo dia,

a morte do vaqueiro.

Desafiei meus pares

para um duelo de melodia.

Ivanildo vinha de lá,

tropeiro das cordas de ouro,

soluçando os ventos

da Borborema,

o sexo molhado da Serra.

Venturini galopava

a égua alucinada da poesia.

Dimas banhava, no Pajeú,

a pequenina pepita do ocaso.

O nego Inácio ressuscitava

no limpo lençol das palavras.

Romano namorava os seios

das algarobas. O crepúsculo

se desfazia.

Pinto cuidava de seus canteiros

nas estrofes de Monteiro.

Monteiro, ruas largas,

melancolia, o mais fino

canário da terra, o cavalo

rudado, o cavalo baixeiro.

Oliveira, é dessa grei

de eleitos e de deuses.

Grego e troiano, Aquiles,

Odisseu.

Aedo ardendo sob o frio

das metrópoles.

Menestrel no burburinho

das cidades.

Voz poderosa que a todos

canta, encanta.

Canta, sim, o meu medo,

a minha angústia, os meus

descuidos, a métrica que gozo,

o orgasmo da cantoria.

Quando vejo Oliveira,

vejo um deus que dança

decretando os passos

do paraíso.

Sua voz me lembra

a nota melhor do relâmpago,

a goteira pingando

nas cacimbas de minha alma,

o cheiro do leite da novilha,

Neblina,

a coalhada do sonho,

com cuscuz e carne assada.

Quando ele fala,

todos se calam para ouvir

a sinfonia misteriosa

que vem do ventre da terra,

a cópula dos insetos

dentro da lua,

a lua que se deixa penetrar

pelo sol do último solitário

da noite,

os adágios da noite,

de toda nossa vida.

Quando ele canta,

no repente da viola,

viola certas regras da rotina.

De repente, o pau é pedra,

a pedra é pluma, a pluma

é lume, o lume

se espalha pela bandeja

da solidão,

a solidão se faz canção

a louvar a luz

das coisas mortas.

Quem é Oliveira?

Fenômeno da natureza?

Um poeta?

Um estranho goliardo

na mecânica dos mercados?

Não, não, não.

Oliveira é a própria poesia.

De repente, Oliveira,

deus sonoro, desce dos céus

na garupa do último mote.

Que história não é mito?

Oliveira, filho de Panelas,

não teme a vida, não teme

a morte,

e tem, pela frente, apenas

o infinito.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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