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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Procurando Mariia (com dois ii, mesmo)

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publicado em 29/03/2022 às 07h57
atualizado em 29/03/2022 às 06h31

 

         Visão geral. O jornalista José Vieira escreveu um texto pequeno, mas com a extensão da destruição da guerra contra a Ucrânia. Ele fala de Mariia Rodionova, 27 anos que escapou de um bombardeio em Mariupol e sobreviveu a uma bomba de 500 kg, que atingiu o teatro onde a moça estava abrigada com velhos e crianças.

        No rosto de Mariia uma imagem simples, porém impactante, denunciava os horrores da guerra. Os óculos de grau estavam quebrados. E remendados”, diz ele num dos trechos da postagem. Quando li o nome de Mariia Rodionova, lembrei de Guimarães Rosa.

         Isso dele dizer óculos de grau quebrados, lembrei de meu pai que consertava o dele com Super Bonder. Super pai, meu pai.

        Sem os óculos não consigo ver quase nada etiro da cara, quando vou dormir. Vieira disse que Mariia encontrou esparadrapo nos escombros e consertou os óculos, porque Mariia precisava enxergar para fugir da morte provocada pelos russos. Os russos nunca mais serão os mesmos.

       Vieira questiona o fato de milhares de pessoas que têm a visão perfeita e não enxergam a crueldade dessa guerra. Evoluímos ou desaparecemos?

       Na última quarta-feira, uma bomba caiu e — em segundos — o prédio onde Mariia estava foi repartido em dois. Mariia escapou, ela era voluntária na Cruz Vermelha Ucraniana, tentou ajudar os feridos no ataque, mas seu kit estava dentro do teatro destruído.

        Já andei de madrugada dentro de casa sem os óculos, tateando os moveis, a mesa do almoço, a estante dos livros. Nunca tinha feito isso. Os óculos caíram do criado-mudo e eu não os achava, estava embaixo da cama.

         Sabe aquela música de Dominguinhos, traga-me um copo d’água eu tenho sede? Então, é assim que me sinto de frente para o mar, a  pensar nas famílias e cidades ucranianas destruídas.

         Lembrei do dia em que fui caminhar na praia, faz tempo, meu filho Vítor tinha dez anos e um motoqueiro bêbado me atingiu. Levantei do chão rapidamente, assustado para ver se estava vivo. Machucado, sai andando apressadamente para casa, com escoriações.

        De repente escuto a voz de uma mulher: “Senhor, senhor, olhe aqui seus óculos”. Nessa hora eu enxerguei melhor os seres ou não seres. Outra mulher me viu, a amiga querida Eneida Melo e me trouxe para casa.

        Já não tenho medo do escuro, do tempo vazio que estamos vivendo, como se tivéssemos medo de nós próprios e nada mais revelasse que, afinal, está tudo aí para quem quiser ver. O ódio tomou conta do mundo.

       Às vezes fechamos os olhos e ficamos cegos, às vezes queimamos as pestanas.

      Cuidado, em terra de cego quem tem olho ainda é rei

Kapetadas

1 – Meu corretor mais atrapalha do que ajuda. Parece até certas pessoas.

2 – Quantas vezes eu quis dar uma de Will Smith na vida…

3 =- Som na caixa: “Cego às avessas, como nos sonhos, vejo o que desejo”, Caetano Veloso

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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