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Entrevista MaisPB: Lô Borges retoma parceria com irmão em novo projeto

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publicado em 20/03/2021 às 12h04
atualizado em 20/03/2021 às 14h37

Kubitschek Pinheiro – MaisPB

Fotos – Rodrigo Brasil

Um dos gênios do “Clube da Esquina” e autor de discos clássicos da música brasileira como o “Disco do Tênis”, (1972), o músico Lô Borges acaba de lançar “Muito Além do Fim”, seu décimo sexto álbum de inéditas, com seu eterno parceiro, o irmão Márcio Borges. O trabalho chega um ano após “Dínamo” (com o poeta Makely Ka, piauiense radicado em Belo Horizonte há anos). e antes, ele tinha gravado “Rio da Lua”, parceria com Nelson Angelo

O disco saiu em formatos físico e digital via gravadora Deck. Este trabalho marca a retomada da parceria do cantor com seu irmão Márcio, que já rendeu clássicos da música brasileira do porte de “Tudo Que Você Podia Ser”, “Nau Sem Rumo” e “Clube da Esquina”, “Um Girassol da Cor de Seu Cabelo”, “Clube da Esquina” e “Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor”, só para citar alguns. Eles não escreviam juntos há dez anos.

“Muito Além do Fim”, conta com a participação de Paulinho Moska na faixa-título, que escreveu uma carta para Lô Borges, que encerra assim: “O amor de viver compondo canções. O amor do abraço de irmãos. O elo, o eco. As Minas Gerais de cada um de nós. Muito além do fim. Para o “ídoLô” Borges e o professor Márcio. Obrigado por tanto amor, por todas as canções. Agradeço também a cumplicidade e a alegria de cantar no disco”, registrou Moska.

Nas gravações, Lô Borges (violão) foi acompanhado por Henrique Matheus (guitarra) e Thiago Corrêa (contrabaixo, teclado e percussão), que também fazem a produção, alé de Robinson Matos (bateria). Produzido por Lô Borges, Henrique Matheus e Thiago Corrêa, direção musical de Lô Borges, A&R de João Augusto e Rafael Ramos, produção executiva de Marcelo Pianetti. Gravado e mixado por Henrique Matheus no Estúdio Frango no Bafo (BH).

Voz e violão de Paulinho Moska gravado por Nilo Romero no Estúdio Fábrica de Chocolate (RJ), voz Lô Borges em “Muito Querida” gravada por Henrique Soares, no Estúdio Ultra (BH), masterizado por Matheus Gomes no Estúdio Tambor (RJ). Projeto gráfico e fotos por Rodrigo Brasil, Lettering por Pedro Hansen.

A novidade chega acompanhada do lyric vídeo da música “Muito Querida”, que já pode ser assistido no canal de YouTube da gravadora Deck.

Em entrevista pelo telefone ao MaisPB, Lô Borges comenta as canções, as letras do irmão Márcio Borges, fala dos pais, de como conheceu Milton Nascimento e critica o governo Bolsonaro.

MaisPB – Depois do CD “Dínamo”, chega agora “Muito Além do Fim”, a parceria com seu irmão Márcio Borges. Uma ideia antiga, né?
Lô Borges – Chegou essa hora boa, o reencontro da minha parceria com meu irmão, apesar desse encontro não ter sido físico, por conta da pandemia. O disco é inteiro com ele, sem a gente se encontrar.

MaisPB – As letras já estavam todas com você?
Lô Borges – Não, ao logo do ano eu mandava uma melodia e com uma semana ou um mês, ele me mandava a letra. O álbum foi construído todo assim.

MaisPB – Quando a gente escuta o disco, ele nos remete para outros tempos. Parecem com as canções antigas de seus discos iniciais?

Lô Borges – Sim. O Márcio Borges é primoroso, ele escreve muito bem e ele tem esse entrosamento com a melodia, ele escreve as letras de uma forma irretocável. Chegam pra mim e eu não tenho que mudar nada, sequer uma vírgula. Não tenho que mudar uma palavra, nada. Dá tudo certo de cara e eu chamo isso de entrosamento. Somos irmãos, criados na mesma família, crescemos juntos, ele se tornou adulto primeiro e eu ainda era menino. Quando eu tinha 12 anos, ele já tinha 18.

MaisPB – Ele é o poeta da família?
Lô Borges – Lá em casa todo mundo é muito musical. Somos os Borges, alguns são músicos profissionais e outros são só bons ouvidos e envolvimento a com a música. Somos uma família musical, desde meu pai e minha mãe, ela cantava nos almoços de domingo os cancioneiros brasileiros dos anos 40 e 50. Eles não tocavam, mas gostavam de cantar.

MaisPB – Cantavam a capela para os filhos?
Lô Borges – Onze filhos em volta da mesa, o pai e mãe cantando e a gente fazendo batucada na mesa. Era muito bom. Seu Salomão Borges e Dona Fragoso Borges, também conhecida como Maricota.

MaisPB – Vamos falar da canção “Muito Querida”, a segunda faixa, que diz “Eu penso na solidão, mas sinto apenas as cordas do meu violão. Em outra cena de vida e morte (sorte) …
Lô Borges – É muito forte quando ele diz que quer ver onde isso acaba, e isso está ligado profundamente a pandemia.

MaisPB – O disco todo é um casamento perfeito…
Lô Borges – E o processo é inverso: eu mando as melodias e ele escreve a letra. Ele é muito bom, com letras brilhantes, contundentes e escreve exatamente o momento em que estamos vivendo. Márcio consegue endurecer sem perder a ternura. Tem uma canção lá que ela fala assim: “só amor eu ponho no meu canto/ Não tenho bem mais precioso, pra quem quer sair da ignorância, o que eu conto é poderoso”. (essa é a sexta faixa do disco “Canções da Primavera”)

MaisPB – Eu nunca tinha visto a palavra ignorância numa letra…
Lô Borges – Exato. Ele consegue colocar a palavra ignorância numa letra de música sem deixar de ser terno. Eu nunca tinha visto também essa palavra, ele conseguiu colocar dentro da poesia. Eu estou muito feliz de estar lançando esse disco com meu irmão, Márcio Borges. Falar que está muito feliz é aquele contraste que vem na cabeça. Toda vez que eu falo essa frase, estou muito feliz, eu penso, puta que pariu, no Brasil com esses número assustador de mortos e estou lançando um disco com meu querido irmão é um contraste, com a calamidade que o Brasil está vivendo.

MaisPB – Esse disco foi todo feito na pandemia e é bastante significativo…
Lô Borges – Olha, eu estava com shows marcados, mas veio a pandemia e seus horrores e tudo parou.

MaisPB – Vamos falar da canção “Copo Cheio”, a terceira faixa do disco?
Lô Borges – Essa canção é muito bonita, me deixa deslumbrado com nossa parceria, como se casa muito bem, porque as letras combinam com as músicas. Que sintonia que esse cara tem comigo, eu me sinto como eu fosse o autor das letras.

MaisPB – Você está morando em Belo Horizonte há muito tempo, né?
Lô Borges – Sim, e ele mora na Serra da Mantiqueira, são oito horas de carro daqui de Belo Horizonte. Ele está bem protegido, mas eu também estou, não saio de casa para nada.

MaisPB – E essa canção “Rainha”, a quinta faixa, que diz “cada vez que penso em voltar, penso em sumir”…
Lô Borges – Eu gosto muito quando com ele diz: “quero é seguir, para um lugar que não tem mais, nem vou procurar, só me resta mesmo é cantar”. Isso tem muito a ver comigo, sou eu que estou dizendo isso, só me resta cantar. Olha, se eu tem tenho duzentas musicas, 150 é com ele, meu irmão, meu parceiro majoritário, principal. A primeira música que fiz na minha vida, a letra é dele.

MaisPB – Como você conheceu Milton Nascimento?
Lô Borges – Eu conheci o Milton (Nascimento) quando eu tinha dez anos de idade, na escadaria do prédio que morávamos. Eu no 17º andar e ele no quinto andar. Eu ia descendo as escadas e à medida que eu descia fui me aproximando de uma voz e de um violão. Antes de conhecer o Milton, eu conheci a voz e o violão dele. Entrei no apartamento dele, foi uma obra do acaso, do destino, que me colocou frente a frente com o Bituca e ele já com vinte anos e eu dez, mas ali mesmo selamos nossa amizade para a eternidade.

MaisPB -Você tem falado com ele, tem visto Milton?
Lô Borges – Sim, mas com Milton a gente não fala tanto, mas se fala.

MaisPB – E a canção “Caos”, a sétima faixa?
Lô Borges – Essa letra é forte. Eu adoro, diz que não vai abrir mão de nada. “Cada pedaço bom eu guardo pra você, só faz sentido quando eu ando com você”, cantarola Lô pelo telefone. Isso é com a mulher dele, mas é amplo, sou eu que estou cantando, é pra mim também.

MaisPB – Essa canção “Terra de Gado”, também fala do perigo das ruas, e o Brasil desabando….
Lô Borges – E tem a ver com as pessoas que só querem pensar em si, se dar bem, ser medíocre vale ouro, terra boa de ser ninguém. Essa música é pancadaria. Ela lembra também do lixo ocidental amontoado, o futuro perdeu sua hora.

MaisPB – Fecham o disco com “Piano Cigano”, que tem uma letra minúscula?
Lô Borges – É pequenina a letra, mas a música é extensa, bem maior instrumental, vai crescendo. Essa música tem uma história engraçada, porque ela é mais antiga o disco: eu compus em 1978 no piano da casa da minha mãe e eu lembro da Maricota dizendo: meu filho quando é que essa música vai ficar pronta? Ela dizia, porque não toca um Girassol aí? A Terra de Gado eu compus em 1999, são duas músicas que não foram feitas nessa pandemia, as finais do disco, que eu compus no piano, o resto foram todas feitas no violão.

MaisPB – Você tem saudade do tempo que passou?
Lô Borges – Eu aprendi a lidar com a saudade. Nessa pandemia mais ainda. Saudade não pode ser privação, porque a pandemia nos impôs essa situação de encontrar as pessoas. No começo eu ficava com saudade de tudo, meus amigos, depois eu trabalhei bem essa saudade. Eu componho todo dia, o tempo todo.

MaisPB – O que você tem a dizer sobre esse momento que estamos vivendo?
Lô Borges – Eu tenho poucas coisas para falar do governo, uma delas é que eu não votei nesse Bolsonaro, não sou desse time. Na verdade, nós temos um desgoverno. Tá grave, ele estava promovendo uma tal de cloroquina, totalmente irresponsável, afastado da ciência. Isso está acontecendo no mundo inteiro, mas aqui tem sido tratado pelo “desgoverno” com muito desdém.

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