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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Menino de rede

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publicado em 16/03/2021 às 07h11
atualizado em 16/03/2021 às 04h12

Não havia um berço para onde iam todos os bebés que nasciam naquela casa em várias gerações. Aquela casa que eu digo, a casa amarela da esquina, era onde moravam meus pais.
Nós nascíamos na cama e não era ali que passávamos a dormir, ao lado, como muitos pais fazem quando os filhos nascem. Alguns quando chegam das maternidades já são colocados no berço. Muitos bebés nunca chegaram a ter um berço.
O luto dessa sorte era feito com a chegada de outro bebé. Não sei porque falei em luto. Aquela coisa: “ficou debaixo na cama”, eu não fiquei.
Meu berço sempre foi outro. As pessoas da capital dizem que tal menino ou menina “têm berços”, no sentido figurado, quando querem dizer que são bem educados, de família decente.
Meu berço era outro. Não que o meu fosse apenas uma rede, onde me colocaram, até porque eu sou fim de rama. Lembro-me de uma carta de meu irmão William para meu pai, que falava das redes armadas em toda casa, quando estávamos todos lá e ele encerrava a carta dizendo: “meu beijo para o fim de rama”. Saudades.
O fato de eu ter sido o caçula, foi um milagre, que já escrevi ou contei a várias pessoas e não vou repetir. Meu berço era outro.
A vida continuava (aliás, continua) até que uma geração já não quis o berço usado que nunca tive, e o tal berço teria ido para o porão do Jatobá Clube, onde meu pai criava galinhas e um tanque com areia, o habitat dos pebas, que eram as iguarias dos almoços domingueiros.
Eu era menino acordava na rede diante do desenho das telhas vãs e dava para ver uma claridade, uma fresta do sol que ficava bem no espaço da despensa. Ali, eu via o sol nascer primeiro.
Eu pertenço a recua de filhos que nunca teve berço. O meu berço era outro.
Até que um dia arrumei minha mala e a telha vã foi substituída por uma passagem de ônibus, que deixou para trás a cidade pequena, onde minha liberdade já não cabia nos 4 cantos.
A mesma geração que hoje, depois de vencida, não perde a esperança de dias melhores, sem o medo da pandemia, que nos arrasta há um ano.
Outro dia perguntei a uma pessoa se ela tinha medo. “Tenho, mas não uso”, disse na bucha.
O berço? A rede? Devem estar num lugar onde ninguém sabe a história deles, nem os nomes dos que lá nasceram e ouviram canções de acalantos.
O meu berço sempre foi outro, estudar, conhecer novas pessoas, amá-las, respeitá-las, trabalhar, construir a família e pagar as contas.
Obrigado Francis, por ter me dado Vítor que, por sua vez, teve seu berço de madeira e logo cresceu e virou um homem das redes…

Kapetadas
1 – Existem 3 tipos de raciocínio: dedutivo intelectual, emocional intuitivo e maria-vai-com-as-outrismo.
2 – O que será que Maria Bonita fazia para deixar o Lampião aceso. (?)
3 – Som na caixa: “Chô chô pavão/Sai de cima do telhado/Deixa o menino dormir/Seu soninho sossegado”, do folclore brasileiro

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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