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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Rugas, rios, ruínas

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publicado em 02/11/2025 ás 07h00
atualizado em 02/11/2025 ás 08h34
A alegria extasiante de viver e todos somos atores, mambembes, revelações, de poucos aplausos e os pesares do contra, mas a palavra escrita me excita, falada, falo que fala e me salva dos inúmeros trastes e das serpentes que nem sentem que nos envenenam, que estão nas ruas e nos ventos e eventos, mas não é do veneno que eu quero escrever. Aliás,  o que tem gente morrendo envenenada no Brasil, não cabe num gibi.
 Vi uma entrevista da atriz Fernanda Torres, na Veja online, em que ela fala que sua mãe Fernanda Montenegro, passou a vida com medo da “ruína” da família.

“Sempre cresci com eles (meus pais) me dizendo que estávamos à beira da ruína. Até hoje, a mamãe fala: ‘Estou preparada para viver em um lugar pequeno’. Eu falei: ‘Mamãe, você tem 96, trabalhou muito, relaxa”.

Eu sou o cidadão da mata.
Vamos relaxar? Não está fácil, talvez um rolê sem rolex, lá no paraíso original, pertinho de Cabedelo, mas o trânsito não contorna mais a nossa rede, nossas viagens sem cerimônias e estou tentando fazer as meditações tardias.

Isso da filha Fernanda dizer a mãe Fernandona, “relaxe”, já ouvi muito da boca do meu filho, mas é um  relaxa que não relaxa nunca. Se Fernanda Montenegro tem medo das ruínas, imagina eu, cujo tempo de palco me cheira talco. Pior –  atualmente vivo  metido nas casas em ruínas e me transformo em outros verbos.

 Acho que muita gente está nesse voo, eu mesmo me lasco de trabalhar para pagar as contas e depois, e depois, e depois…. Ah! Lembram da frase que tem no final do filme ´E O vento Levou´ a cena em que Scarlett O’Hara sobe a escada de tapete vermelho, dizendo que vai deixar para pensar amanhã, –  manhã tão bonita manhã

O tempo em minha vida viria e ou virá a ser preterido, mas  uma distância me coloca no olho da rua com os outros, sem a menor ânsia de distinção, mas quem são os outros? Os outros são ossos, pescoços e encostos.

Acordo sem os nomes das coisas, mas não pertenço a outra espécie, sou do clã da escritora  Maria Ribeiro, sou de carne  e sangue,  mas sempre a cruzar o abandono e vidas abomináveis. Levanta, sacode a poeira, acorda, a corda, a corda, acorda, a corda, acord’ accord, d’accord, d’accord, d’accord.

Como se toda a resistência… e eu tenho novos músculos, mas não sou Monstro de Florença  tenho a força, fossa, fosse a força de um mundo que deixamos de julgar, mas não deixamos mesmos, somos metidos e odientos.

A vagarosa  influência de nos mete medo das ruínas, da missa e nem de longe parece com o ´bateu, levou´ mas é o bateu mesmo uma saudade sem fim feito desses discretos e ferozes pontos que nos ligam e desligam, de esqueletos em dia de sol, outros malucos que nunca vão pensar nas ruínas, sequer os dementes, crentes que pensam que em se plantando tudo dá.

 Essa, Eça, aquele tempo, no escuro e veio o clarão de Fernanda Montenegro, que eu adoro e imploro que nada acabe em ruínas, só rugas, de tanto ouvir Nelson Cavaquinho. Melhor é não sufocar a memória: eu nunca fui ao cinema, não gosto de samba, não vou a Tambaú andar pela praia até o Cabo Branco.
Ainda nesta semana, vi um video da Fernanda Montenegro numa entrevista, dizendo que não tem medo de morrer, tem pena de morrer e a seu favor, a meu favor, a trégua do pensar longe, bem longe de nosso cubículo.

Kapetadas

1 – Abóbora virar símbolo do medo é uma injustiça com o jiló.

2 – Quando o guitarrista do Titãs ganha o Jabuti de melhor romancista do ano, a única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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