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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Beco da memória

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publicado em 05/10/2025 ás 07h00
atualizado em 04/10/2025 ás 20h33

Nem tudo é autobiográfico. Nem sempre que caminho à tardinha na praia do Cabo Branco, vejo pessoas em cadeiras de rodas, sendo conduzidas por outras,  uma cena essencial para ambos. Um dirige a cadeira e não ver o mar, o outro ainda ocupa o corpo, que faz com que a pessoa se distraia sem perceber, o que leva ao despojamento da matéria, de tudo o que ainda está no espírito e no corpo.

Lembrei que ganhei de presente de meu filho, já faz um tempo, aquele objeto de tirar pelos do nariz, mas nunca usei – está por ali a tesourinha que minha mãe cortava minhas unhas.

Perder objetos, deixar lugares,  esquecer nomes e fisionomias, eles continuarão existindo, só que bem escondidos de nós. Já nem podemos dizer que o mundo é chato, porque mundo é o lugar de muitos, ponta de areia e pregos batidos, de desertos margeando outras linhas, longe dos celulares que, querendo ou não, servem de companhia e tira a pessoa da ficção da vida, algum engano, uma bobeira.

Vamos imaginar que eu estou escrevendo sobre mim, sobre o meu retrato, e que fosse fácil só sentar aqui e escrever. Talvez sobre andar de bicicleta, das coisas que vejo passar, pai com filho na corcunda; um casamento na beira mar, outro no desgosto do lar, mas eu não preciso escrever o que me der na telha. Talvez sobre a saudade dos meus vinte e poucos anos.

Escrevo o que pede somente o olhar e gosto desse olhar meu, que pode ser aristotélico, mas com novidades. Por sua vez poetas se misturam com gente jovem reunida ou gente das antigas – os anônimos, que permanecem anônimos, para que eles tenham lugar no jogo (sem corpo nem nome) de ser contemplados no beco da memória, sem saber.

Eu gosto de sair de casa, de ir trabalhar todos os dias, de ir a lançamentos de livros, de tomar café (que é desculpa mais esfarrapada para se encontrar com outra pessoa), de ir ao cinema,  conversar, ouvir o outro. Eu vou ao cinema sozinho, e às vezes, choro no filme, nesse extenso performaticamente da narrativa.

Acordo para uma nova etimologia, não sei qual será, se será. Talvez claraboia e tanto quanto eu a procuro, ela me acha e, quando ela me chama, estou por por vir.

Se você gosta de sair, de se encontrar com amigos no shopping vá, não deixe de reencontrar pessoas, certamente estão com saudade e você está a viver outra saída.

Em “Algum lugar e Ensaio de voo” de Paloma Vidal, esbarrei em Nietzsche (foto)  – envie seus navios para mares desconhecidos. Assim falava Zaratustra?

Vá para as ruas, vá se divertir, vá, mas não vá pensando que você é centro das conversas, que só quem pode falar é você –  escute os outros.

Nada melhor que uma previsão conveniente da memória. Por exemplo – elimine o bode expiatório, o trágico acima de tudo e, volte pra casa com seus pés, mas não meta os pés pelas mãos.

Passando em frente ao beco da memória, li na parede de um casarão abandonado no bairro de Jaguaribe: “Quando você era mais moço, você colocava o cinto e ia para onde queria. Quando você ficar mais velho, estenderá as suas mãos, e outro colocará o cinto em você e o levará onde você não quer ir.  É de João, (capítulo 21, versículo 18)

Pronto. Você ainda não morreu, aproveite. O sonho acabou, mas a festa não. Assim são os sons, os cheiros, até aquele estado que se chama libertação.

Kapetadas

1 – Sucesso é ter paz.

2 –Atire a primeira pedra quem nunca atirou a primeira pedra.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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