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Entrevista MaisPB

Rodrigo Faour lança obra histórica sobre Beth Carvalho

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publicado em 27/09/2025 ás 12h00
atualizado em 27/09/2025 ás 11h32

Kubitschek Pinheiro

Jornalista, escritor e pesquisador Rodrigo Faour lançou ´Uma vida pelo samba´, com selo da Editora Sonora, seu décimo livro que integra o Projeto Sambabook Beth Carvalho (Musickeria). O livro é um documento sobre a vida e obra da artista conhecida como ´madrinha do samba´ – que pode ser usado como roteiro para o cinema.

Rodrigo vai além pela vida e obra de Beth, mostrando várias numa só, esticando a artística e cantora, que a partir de 1972 decidiu optar pelo samba, mesmo já tendo carreira que começou na bossa nova e passou pelo auge da Era dos Festivais, entre 1967 e 1970, quando se consagrou com “Andança”, no III Festival Internacional da Canção, de 1968, ao lado dos Golden Boys.

Com orelha assinada pela atriz e poeta Elisa Lucinda, e quarta capa por Martinho da Vila, o livro mostra a opção assertiva do ´samba da Beth´, quando resgatou grandes autores valiosos como Cartola, Monarco, Nelson Cavaquinho, Argemiro e Nelson Sargento, e lançou ou ajudou a consagrar um sem número de pagodeiros – músicos e intérpretes –, como Zeca Pagodinho, Almir Guineto, Arlindo Cruz, Sombrinha, Jorge Aragão e Luiz Carlos da Vila

Álbum por álbum – repertório, repercussão junto ao povo e entrevistas na imprensa para divulgá-los – Faour mostra o quanto Beth tinha o samba como bandeira política de afirmação do próprio país e o quanto lutou pela valorização dos sambistas e da negritude, e por um Brasil menos desigual, ainda que no palco predominasse a alegria, com sua voz quente e doce. Grande Beth!

Comunidade LGBTI+

O ator vai lançar em novembro um livro grande em tamanho e conteúdo, pela editora Record, fruto de cinco anos de pesquisa hercúlea, que foi tema de sua tese de doutorado na PUC-Rio, quando foi bolsista da CAPES. “Trata da história da comunidade LGBTI+ do Rio de Janeiro e sua importância para o Brasil, pois a maior parte dos LGBTs de enlevo – assumidos ou não – no país moravam no Rio, muitas vezes vindos até de outras regiões, nos anos 1950, 60, 70 e 80 – décadas abordadas no trabalho”, lembra Faour

Canal Faour

Seu canal do YouTube Rodrigo Faour Oficial, recentemente chegou a 100 mil seguidores e mais de 10 milhões de visualizações, trazendo música e comportamento, com conteúdos inéditos e raridades do meu baú. “Esta semana mesmo resgato uma antiga e memorável entrevista que fiz com a saudosa Angela Ro Ro na época do meu programa do Canal Brasil, cuja maior parte continuava inédita”.

Essa é segunda vez que o Rodrigo Faour conversa com o MaisPB e conta mais histórias do livro, do samba, dele com Beth e outras descobertas.

MaisPB – Esse livro, ´Uma Vida pelo Samba´ é seu décimo trabalho no Projeto Sambabook (Musickeria) e e me parece que foi o que mais mexeu com você. Vamos começar por aqui?

Rodrigo Faour – Não digo que foi o que mais mexeu comigo, mas que mexeu comigo de uma maneira diferente. Porque eu vinha de mestrado, doutorado, emendando um trabalho no outro, bastante cansado. Até que o Afonso Carvalho, diretor do projeto Sambabook, me disse que o meu nome havia sido escolhido por ela, em vida, aí eu realmente desabei. Porque Beth foi um dos meus grandes e primeiros ídolos de infância, ao lado de Gal, Bethânia, Rita Lee e Ney Matogrosso. E foi dela o primeiro disco só de samba que ouvi na vida, justamente o antológico “De pé no chão” (1978), que eu tinha em fita cassete, e que anos depois saberia que foi um divisor de águas no meio sambístico, por revelar a turma de músicos e compositores do bloco Cacique de Ramos, incluindo instrumentos diferentes, como repique de mão, tantã e o banjo com afinação de cavaquinho, além de uma harmonia incomum feita nos pagodes de lá por Jorge Aragão e Almir Guineto, além de composições ótimas.

MaisPB – Lendo, são tantas informações da vida e da obra de Beth Carvalho, que dá uma sensação de biografia, de um livro amoroso, que você fez para que a gente conhecesse muito mais de Beth, sua arte, seu canto. Estou certo?

Rodrigo Faour – Todos os meus livros são assim. Sou detalhista. Creio que é meio impossível dissociar o artista da vida pessoal e dos valores de seu país. Assim, quando escrevi sobre Cauby Peixoto, Dolores Duran, Claudette Soares, Angela Maria, Leny Eversong e agora Beth Carvalho eu sempre procuro inserir suas escolhas de vida e obra dentro do contexto brasileiro, mostrando o impacto que tal som teve em nossa sociedade. No caso de Beth, você tem razão. É um livro amoroso para que as pessoas tenham a dimensão do que era uma artista que levava a profissão a sério como uma verdadeira bandeira política – no sentido mais amplo do termo – e existencial. Ela sentia a música brasileira, sobretudo o samba, e a nossa cultura como um todo de uma forma tão visceral que isso se tornou sua razão de viver. Uma patriota autêntica que não se deixava dobrar, incorruptível.

MaisPb – Como é que você consegue tantas informações preciosas e organiza tudo numa espécie de documento literário?

Rodrigo Faour – Tenho um modo de trabalhar, organizando documentos de imprensa, muitos dos quais guardei no meu arquivo desde minha adolescência, nos anos 1980, com entrevistas com o biografado e pessoas ligadas a ele, e uma costura cuidadosa, com uma pimentinha aqui e ali, para não cansar o leitor.

MaisPB – Beth lançou Zeca Pagodinho e muita gente. Vamos falar virtude da maior sambista brasileira?

Rodrigo Faour – A maior virtude da Beth foi resgatar a velha e “média” guarda, ou seja, músicos de idades avançadas e meia idade das alas de compositores das grandes escolas de samba, e estar sempre de olho nos novos. Assim, ela revalorizou uma série de compositores e músicos que até então eram pouco gravados, e foi a que mais gravou compositores da Mangueira e da Portela, por exemplo. E, dos novos, consagrou desde os autores de “Andança”, até então desconhecidos, como Edmundo Souto, Danilo Caymmi e Paulinho Tapajós, além de ser das primeiras a gravar Arthur Verocai, Ronaldo Monteiro de Souza, César Costa Filho e vários outros novatos da época dos festivais, até a turma do samba: dos ainda pouco conhecidos Gracia do Salgueiro, de quem estourou “1.800 colinas”, seu primeiro hit em samba em 1974, depois toda a turma do futuro Grupo Fundo de Quintal, incluindo Almir Guineto, Jorge Aragão, Sombrinha, Arlindo Cruz, mais Zeca Pagodinho, Sombra, Adilson Victor, Beto sem Braço, mais tarde também Wanderley Monteiro, e já a partir de 1999, Xande de Pilares, a turma do Quinteto em Branco e Preto, de São Paulo, e nos anos 2010, Leo Russo e Leandro Fregonesi.

MaisPB – No livro você deixa claro todo apoio e afeto que ela lhe dedicou e isso engradece o seu talento e prestígio, não é?

Rodrigo Faour – Sou filho de bancário com professora de música. Tudo que conquistei foi por minha perseverança e dedicação irrestrita à minha profissão. Ter o aval de artistas como a Beth Carvalho, famosa por só amadrinhar ou valorizar só gente de real talento, muito me envaideceu e, mais que isso, me deu força para não desanimar. Porque é uma profissão que paga pouco e, pior, que nas últimas duas décadas valoriza principalmente modismos massificados, detalhes extramusicais em detrimento da arte maior em si, privilegiando um entretenimento raso, lacre em redes sociais e um comércio capitalista num grau um tanto insano.

MaisPB – Vamos falar mais da admiração dela por Cartola, Nelson Cavaquinho?

Rodrigo Faour – Nelson era uma paixão de Beth desde o dia em que teve coragem de se aproximar dele. Quando ele percebeu que ela sabia tocar e cantar a sua obra, ficou muito apegado a ela. Lhe deu “Folhas secas” e outras músicas lindíssimas em primeira mão, como “Miragem”, “Se você me ouvisse”, “Meu caminho”, “Silêncio”, “Deus me fez assim”, “Coração poeta” e outros sambas lindos. Além disso, fizeram muitos shows juntos e ela fez de tudo para que ele fosse mais valorizado como músico e tivesse uma velhice com mais conforto. Passava datas festivas em sua companhia inclusive. Cartola também se tornou figura cativa em seus dicos, como Nelson, por duas décadas. Quando ela estourou “As rosas não falam”, em 1976, Nelson foi contratado pela RCA Victor, uma multinacional, e seu prestígio aumentou ainda mais, fazendo com que saísse do morro de Mangueira e fosse morar numa casa melhor em Jacarepaguá. O produtor Rildo Hora me disse que das 12 escolhidas para seus álbuns na época do vinil, duas vagas já estavam sempre guardadas para a dupla. Ela também foi a principal intérprete de Noca da Portela e seguramente a cantora que mais gravou Arlindo Cruz, 35 sambas.

MaisPB – Beth não gostava de falar de si, mas está no seu livro um samba biográfico de Martinho da Vila que ela gravou. Bora falar sobre isso?

Rodrigo Faour – Na verdade, gostava sim. Ela sempre falava muito de si e repisava em todas as entrevistas seus feitos, incluindo seu pioneirismo em diversas frentes dentro da música brasileira. Alguns até a achavam cabotina e implicavam com essa sua maneira imperativa de ser e de falar de si. Entretanto, como pesquisador e memorialista, entendo-a perfeitamente. No Brasil, tudo é esquecido muito rapidamente. A própria Beth, falecida em 2019, já quase não é mais falada. É um país extremamente ingrato que não tem cultura de memória. Tudo é extremamente descartável. Então, se ela não fizesse isso sempre, teria sido esquecida em vida. Quanto ao Martinho, foi seu amigo desde a época de seu lançamento e decidiu lhe presentear com o samba “Enamorada do sambão”, em 1975, que ele mesmo cita na contracapa do livro, no texto que me deu a honra de escrever. Ela me disse certa vez que ser chancelada em forma de samba por uma figura de tamanha relevância foi algo definitivo em sua opção pelo samba, que havia se dado apenas três anos antes dele compor esta música.

MaisPB – Qual a música mais marcante de Beth? São tantas, né – de coisinha do pai, aquele samba do feijão, tudo que ela cantava explodia, né?

Rodrigo Faour – Beth tem uma série de sucessos de meio de ano e também carnavalescos. Ela sempre foi muito carnavalesca, adorava carnaval e a certa altura percebeu que o que eternizava muitos artistas eram os hits de caranval, pois todo ano eram sempre cantados. A prova disso é que “Vou festejar” nunca mais saiu de cena. É sua música mais cantada. E nas rodas de violão e corais, “Andança” nunca foi esquecida. “As rosas não falam”, das românticas, também virou um clássico atemporal. E nos sambas tradicionais ainda poderíamos acrescentar muitas outras, de “1.800 colinas”, “Folhas secas”, “Saco de feijão”, “Olho por olho”, “Agoniza, mas não morre”, “Ô Isaura”, “Goiabada cascão”, “Coisinha do pai”, “Senhora rezadeira”, “Camarão que dorme a onda leva”, “Dor de amor”, “Coisa de pele”, “Nas veias do Brasil”, “Malandro sou eu”, “Nos combates desta vida”, “Além da razão”, “Saudades da Guanabara”, “Samba de arerê” ou “Água de chuva no mar”.

MaisPB – Tem uma parte do livro que a você entristece e passa pra gente, a cena final, Beth se foi. Como Rodrigo Faour descreveria essa cena….

Rodrigo Faour – Sua última década de vida foi muito dura, mas ela jamais deixou a peteca cair. Ela teve um câncer na coluna que escondeu de todos e até dela mesma, pois tinha certeza que sairia dessa. A prova disso é que morreu no dia 30 de abril e no dia de seu aniversário, 5 de maio, tinha um show marcado para fazer – deitada, pois nem se aguentava sequer sentada. E conseguia enquadrar equipe médica, músicos, arranjadores e convidados de que realmente tinha condições de fazer. Sua vontade de viver e perseverança eram algo muito, mas muito fora do comum. Considerando inclusive que não era religiosa.

MaisPB – O que temos de novo?

Rodrigo Faour – Lanço em novembro um livro grande em tamanho e conteúdo, pela editora Record, fruto de cinco anos de pesquisa hercúlea, que foi tema de minha tese de doutorado na PUC-Rio, quando fui bolsista da CAPES. Trata da história da comunidade LGBTI+ do Rio de Janeiro e sua importância para o Brasil, pois a maior parte dos LGBTs de enlevo – assumidos ou não – no país moravam no Rio, muitas vezes vindos até de outras regiões, nos anos 1950, 60, 70 e 80 – décadas abordadas no trabalho. Há figuras relevantes da cena gay, lésbica e trans consagrados somente na própria cultura local ou de fama nacional, além de igualmente ótimos depoimentos de anônimos. É um livro necessário que ajuda a preservar uma memória tão importante quanto a da nossa música, só que desta vez a música até está presente, mas não é o prato principal.

MaisPB