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Francisco Leite Duarte é advogado tributarista, auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, doutor em direitos humanos e desenvolvimento. Na Literatura, publicou os romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias (“Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas.

Bobô, bobó…

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publicado em 18/09/2025 ás 21h39

O domingo boceja. As crianças estão arrumadas. Como ficaram conosco no fim de semana, os corpos dos avós reclamam do cansaço. O sobe-e-desce em busca de deixar alguma coisa em ordem é tarefa que já não compactua com ossos marejados pelo tempo.

Em compensação, nossos corações estão abarrotados de alegria. Para os avós, netos são confeitos caramelizados com camada extra de amor. Um sorriso, uma traquinagem, aquelas palavras mágicas: bobô, bobó…

A humanidade que palpita em nós dá saltos de felicidades. O pôr-do-sol desse domingo é remanchão, mas anuncia sua resistência vã que se esvai lentamente no horizonte, o mar aberto à frente, sumindo na escuridão que se anuncia. A Lua doirada banhando o remanso da tardinha, uma algazarra aos meus pés porque as crianças nunca param.

Uma andorinha, retardada como o poente, agita o céu. A preguiça da segunda-feira, que ainda não existe, me estira a língua e eu me lembro daquela “musiquinha” tenebrosa que anuncia o programa “Domingo maior”, depois do “Fantástico”.

Logo mais, alguma coisa, dentro de nós, já quer fabricar saudades, mas por onde andam os pais que não chegam para pegar suas crianças? Sabe-se lá. Hão de vir.

Volto à crônica. O domingo geme sua morte, piscando seus olhos de moribundo. Em outro tempo, ao pé da Serra do desterro, o velho radio de pilhas se esguelhava cantando músicas no programa “O terreiro da fazenda”.

Lá fora, eu ziguezagueava no infortúnio da solidão. O terreiro da frente da nossa casa era um limite, testemunha das minhas tardes. Debaixo do pé de riso, que naquele ano pariu flores sisudas e modorrentas, eu olhava para o céu contando nuvens, querendo chuva. Às vezes, via alguns duendes dando cambalhotas pelo ar. A maioria deles sorria. Alguns eram mesmo uns bestas, arrogantes como o jumento Panjão.

Enfim, o domingo batia suas asas. As galinhas subiam para os poleiros, vagalumes piscavam suas bundas luminosas. Outro mundo me fascinava. Hoje, minha infância me comove. Eu fora netinho de alguém, mas que pena, que pena! Como meus avós já dormiam há muito tempo, nunca brincaram comigo debaixo de um Bougainville.

@professorchicoleite

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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