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"Menino de Engenho"

Engenho Corredor, berço de José Lins do Rêgo, é tombado na Paraíba

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publicado em 16/09/2025 ás 18h03
Engenho Corredor. Foto: Iphan

O Engenho Corredor, em Pilar (PB), não é apenas um patrimônio histórico: foi o cenário da infância de José Lins do Rêgo (1901-1957) e o berço que inspirou suas obras mais emblemáticas, consolidando-o como um dos grandes escritores brasileiros.

O valor histórico do conjunto arquitetônico e paisagístico remonta a uma época de importantes transformações no País, sobretudo no Nordeste, quando se viu a decadência dos antigos engenhos de cana-de-açúcar, substituídos em seu protagonismo econômico por usinas modernas.

Nesta terça-feira (16), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) aprovou o tombamento definitivo do conjunto, em reconhecimento a sua importância para a história do Brasil. 

A decisão foi tomada durante a 110ª reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, órgão colegiado de instância máxima do Iphan responsável pela avaliação e reconhecimento de bens culturais brasileiros, e resultou na inscrição do Engenho Corredor no Livro do Tombo Histórico e no Livro do Tombo das Belas Artes. 

Foto: Iphan

O tombamento do conjunto arquitetônico e paisagístico do Engenho Corredor abrange: a casa grande, residência e sede da propriedade, hoje recuperada e restaurada; os remanescentes e escombros da casa de engenho, hoje em ruínas, com vestígios do antigo sistema de produção de açúcar, que envolvia moagem, cozimento e depuração; a casa de purgar, local de secagem e embranquecimento do açúcar, construída posteriormente ao primeiro núcleo de ocupação; a antiga senzala, recentemente restaurada; além de todo o restante da área do conjunto contida na poligonal de tombamento proposta no parecer técnico do arquiteto Gustavo Peixoto, conselheiro relator do processo.  

Memórias de infância e críticas sociopolíticas 

Eternizado na obra “Menino de Engenho”, o local abrigou as primeiras memórias de infância de José Lins do Rêgo, que viveu na propriedade até oito anos de idade. Foi ali, na Zona da Mata paraibana, que o escritor ambientou essa e outras histórias que revelaram ao Brasil um Nordeste feito de açúcar, suor e contradições. Autor da geração de 1930 do Modernismo brasileiro, Lins do Rêgo se destacou pelo regionalismo, valorizando os costumes locais e integrando à sua literatura tanto elementos autobiográficos quanto a crítica sociopolítica de sua época. 

Durante a reunião do Conselho, o presidente do Iphan, Leandro Grass, notou que obras como a de Lins do Rêgo ou a de Gilberto Freyre, autor de “Casa-Grande e Senzala”, costumam ser alvos de críticas – em sua visão, “mal elaboradas” – por promover uma suposta ideia de amizade e convivência pacífica entre etnias e classes sociais. No entanto, o presidente ponderou que, “para consolidar a crítica feita por Florestan Fernandes e outros autores, mostrando que aquele ambiente não tinha nada de tolerante, amigável ou fraterno, foi fundamental o trabalho dessas primeiras vozes”. 

O superintendente do Iphan na Paraíba, o sociólogo Emanuel Braga, concordando com Grass, afirmou que “as descrições etnográficas que Lins do Rêgo e Gilberto Freyre fizeram em suas obras conseguiram me sensibilizar muito mais para a situação da escravidão brasileira explícita do que a crítica posterior”.   

Educação patrimonial 

Durante a leitura do seu parecer, o relator Gustavo Peixoto ressaltou: “Se por um lado é verdadeiro que o Engenho Corredor abrigou, criou e deu à luz José Lins do Rego, também procede dizer que José Lins do Rego criou para o Mundo o engenho Corredor, o mundo do açúcar paraibano, e é a ele que devemos o prestígio nacional deste último remanescente que o Iphan trata hoje de tombar”. 

O tombamento é fruto de um processo extenso de análises, visitas técnicas e pesquisas. Entre os profissionais envolvidos, estiveram os arquitetos Raglan Gondim e Giovani Barcelos, que compartilharam com o relator sua leitura sobre os escritos de José Lins do Rêgo. Segundo Raglan, a obra é marcada por “uma inquietação literária que insiste a nos narrar injustiças sociais contemporaneamente permanentes, com suas vozes ainda escritas nesses espaços, nas paredes, na coberta de telha vã, nos escombros a mostrar”. Barcelos concorda e acrescenta que, “de fato, o tempo parece não existir no Corredor. Toda sua mensagem para as gerações futuras é contemporânea”. 

Atualmente o Engenho Corredor é aberto à visitação, onde quem leu as obras de Lins do Rêgo pode ver de perto o cenário onde foram ambientadas. A casa contém móveis de época, utensílios e fotos do fundador, o avô do escritor, e da família. Para visitar, é necessário agendamento.  

Cabe ressaltar que, se as edificações que já estão restauradas do Engenho Corredor se prestam amplamente à função de educação patrimonial, o antigo engenho em ruínas não deve ser ignorado. Como notou em sua fala de apresentação do processo ao Conselho Consultivo a coordenadora geral de Identificação e Reconhecimento do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização do Iphan, Vanessa Pereira, a ideia “não é que o tombamento congele o imóvel como uma ruína, mas que possa compor o conjunto de forma educativa para o futuro”. 

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