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Imagine uma entidade que diz ser capaz de conversar com o tempo e não no sentido de previsões meteorológicas, mas de influenciá-lo diretamente. Parece ficção científica ou roteiro de novela, mas essa é a proposta da Fundação Cacique Cobra Coral (FCCC), uma organização brasileira, esotérica e controversa, que há décadas se apresenta como mediadora entre o mundo espiritual e os fenômenos climáticos. Fundada em 1931, ela afirma atuar em nome de um espírito indígena que reencarnou em figuras históricas como Galileu Galilei e Abraham Lincoln, e hoje usa uma médium brasileira como canal de ação.
A fundação ganhou notoriedade ao afirmar que pode evitar chuvas em grandes eventos, e não faltam relatos curiosos para alimentar a fama. Shows de Madonna, casamentos da realeza britânica, conferências internacionais e até o Rock in Rio já teriam sido beneficiados por suas “negociações com as nuvens”. Em muitas dessas ocasiões, como dizem os organizadores, “o tempo colaborou”, e os contratos com a entidade passaram a fazer parte da logística de alguns dos maiores eventos do planeta.
No Brasil, a Fundação Cacique Cobra Coral também já foi contratada por prefeituras como a do Rio de Janeiro e de São Paulo. Ela oferecia o que chama de “assistência climática preventiva”, com o compromisso de evitar tempestades em momentos estratégicos, como o Réveillon em Copacabana ou a visita de chefes de Estado. A entidade diz que atua sem fins lucrativos, embora receba doações e mantenha uma estrutura organizacional sob a gestão de Adelaide Scritori, médium e presidente da fundação.
Recentemente, a FCCC voltou às manchetes ao se envolver numa inusitada “disputa espiritual” com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Em resposta às tarifas de 50% aplicadas contra produtos brasileiros, a fundação anunciou a suspensão de 50% da sua assistência climática ao território norte-americano. A nota pública dizia que os EUA ficariam “por sua conta e risco” diante dos eventos extremos que pudessem surgir. A coincidência de datas com alertas de tsunami e furacões chamou a atenção de curiosos e céticos.
Para além do folclore, há quem leve o trabalho da fundação muito a sério. Empresários e produtores culturais costumam incluí-la no planejamento de grandes eventos, por precaução ou crença. Outros, porém, questionam os fundamentos científicos e a legalidade de contratos com dinheiro público para serviços baseados na fé. A fundação, por sua vez, afirma que seu trabalho é complementar à ciência e não substitui as ações meteorológicas convencionais.
A figura do Cacique Cobra Coral virou símbolo de algo mais profundo: a relação entre espiritualidade e poder no Brasil. Uma mistura de sincretismo, tradição oral e crença popular que encontra espaço até nos bastidores da política e dos negócios. Mesmo quem não acredita na atuação mística da fundação reconhece que ela construiu, ao longo de décadas, uma narrativa poderosa que desafia a lógica convencional e instiga a imaginação coletiva.
Em tempos de mudanças climáticas, a proposta da fundação ressoa com um desejo antigo da humanidade: controlar o incontrolável. Diante da imprevisibilidade da natureza, a ideia de que uma entidade pode “negociar com os céus” desperta fascínio, esperança e polêmica. É uma história que beira o absurdo, mas que encontra eco em um país onde religião, ciência e espetáculo frequentemente se misturam.
A atuação da FCCC também coloca em debate a fronteira entre o público e o místico. Até que ponto um município pode contratar uma entidade espiritual para garantir tempo bom num evento? Como prestar contas de um serviço cuja eficácia é, por natureza, incerta? Essas perguntas não têm respostas fáceis, mas são fundamentais quando se fala em transparência e uso de recursos públicos.
Na Paraíba, a fundação nunca atuou oficialmente, mas o debate que ela levanta é válido: como o país lida com a diversidade de crenças em suas políticas públicas? E o quanto estamos dispostos a aceitar o sobrenatural como parte da gestão do cotidiano? O caso do Cacique Cobra Coral talvez diga mais sobre o Brasil do que sobre o próprio clima.
Entre a fé, a estratégia e o folclore, a Fundação Cacique Cobra Coral permanece como um personagem curioso da nossa história recente. Em meio à crise ambiental global, talvez ela não tenha as respostas que buscamos, mas certamente levanta boas perguntas sobre o que, de fato, estamos tentando controlar.
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BOLETIM DA REDAÇÃO - 22/07/2025