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José Nunes da Costa nasceu em 17 de março de 1954, em Serraria-PB, filho de José Pedro da Costa e Angélica Nunes da Costa. Diácono, jornalista, cronista, poeta e romancista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa. Tem vários livros publicados. Escreveu biografias de personalidades políticas, culturais e religiosas da Paraíba.

O poeta, o busto e o tamarindo

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publicado em 28/05/2025 ás 07h00
atualizado em 27/05/2025 ás 17h55
            Quando passava pela Lagoa do Parque Solon de Lucena costumava observar a imponente árvore dando sombra ao busto de Augusto dos Anjos. Era o tempo que carregava fortemente comigo o aroma da terra e nas mãos as marcas do trabalho no campo. Não percebia quanto representava para a nós o poeta, o tamarindo e o seu busto.
Olhando as árvores da Lagoa lembrava da paisagem de minha terra. Um tempo da infância que sequer falávamos em literatura, mas ouvíamos estórias de Trancoso, escutávamos a poesia dos pássaros e nos deliciávamos com os repentistas.
Do poeta maior tomei conhecimento durante os encontros no terraço da casa de Nathanael Alves. Na década de 1970, um grupo de escritores e jornalistas se reunia para falar de muitos assuntos, e a poesia entrava nas conversas como foco principal. Ali conheci Augusto dos Anjos e, ouvindo as conversas, aprumei as minhas aspirações de leitor e escritor.
Em décadas passadas a árvore caiu não “ao golpe do machado bronco”, mas foi ao chão devido ao descuido de gestores públicos.
Isso se deu há anos, mas lembro como se fosse hoje. A árvore da Lagoa, que deva sombra ao busto de Augusto, foi derrubado pela ventania daquele ano, que não lembro quando. Caiu não pela força do machado, mas pela força da própria natureza.
Todas as vezes que passo pela Lagoa penso no poeta, recordo o busto e relembro da árvore, símbolo da poesia de Augusto.
Os que amam a Poesia debruçam seus corpos sobre o tronco imaginário da árvore do poeta, abrindo o coração para amar angelicamente o marco de amores e dores, lugar de muitos suspiros, de paixões arrebatadoras pela mística transcendental, símbolo do entusiasmo criador de Augusto dos Anjos.
Na infância, o poeta Augusto conheceu a insuperável fragrância do engenho Pau d’Arco, de solitária paisagem. Seus poemas cantam a constante presença amor ao invisível da paisagem observada enquanto desfrutava da sombra do tamarindo.
Do mesmo modo em que a terra se abre para fazer crescer os grãos, os ramos darem frutos, sua força decompõe a árvore na terra onde o poeta nasceu. Assim como fez subir os ramos do tamarindo que de longe avistávamos, símbolo vivo da presença do poeta em nossa cidade, a ventania o levou ao chão sem o golpe do machado. Mas não arrancou de nós a presença da Poesia que desafia nossos sentidos.
O tamarindo e o busto do poeta formavam um único corpo. Décadas depois ainda passo pela Lagoa tentando encontrar os resquícios da árvore de nossa admiração.
Em tempos passados da árvore, em visita ao Pau d’Arco, aconchegado à sombra, escutava as cantigas dos pássaros flautistas nas pontas das galhas e as canções melancólicas das cigarras. Já na Lagoa, inúmeros casais de namorados, distraídos e surdos pelas paixões, passavam ao redor sem perceberem a rara beleza que a natureza se encarregou de fazer crescer.
O tamarindo e o poeta tiveram a mesma sina, uma sina que Augusto cantou com versos eternos. O poeta consumido pela doença infestada seu magro corpo que a medicina não curou e a árvore comida pela mão do tempo. Mas nem tudo está perdido, pois restam a imagem hirta do vate a sombrear estantes.
Algumas iniciativas vêm sendo colocadas em práticas pela Academia Paraibana de Letras, tendo à frente o professor e acadêmico Milton Marques Júnior, para fazer com que cada vez mais Augusto dos Anjos seja lembrado e venerado. Milton plantou uma muda da árvore, símbolo do poeta, nos jardins da Academia, e outras iniciativas dele acontecem para que o poeta e sua poesia cheguem às mentes e aos corações daqueles que ainda não conheceram o autor do Eu.
Sempre buscamos descobrir algo novo na genialidade de Augusto dos Anjos, porque sendo poeta de versos imortais, é o mais original na literatura brasileira, como atestam os críticos mais sisudos.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB