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José Nunes da Costa nasceu em 17 de março de 1954, em Serraria-PB, filho de José Pedro da Costa e Angélica Nunes da Costa. Diácono, jornalista, cronista, poeta e romancista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa. Tem vários livros publicados. Escreveu biografias de personalidades políticas, culturais e religiosas da Paraíba.

Voo para além dos sonhos

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publicado em 16/04/2025 ás 08h50
atualizado em 16/04/2025 ás 10h14
No diário esparso sobre viagens pelas paisagens de Serraria, registro os encantos que interessa ao leitor que sou.
Quando retornei à minha terra, na companhia do professor Milton Marques Júnior, para um passeio telúrico e sem pressa, de modo a contemplar muita coisa que existe na região, lembrava do menino que ficou em Serraria.
A antiga paisagem das catedrais góticas que os olhos observaram nas fotografias e as imagens em movimento de filmes ficaram para trás quando penetramos na área das curvas e ladeiras entre Serraria e Pilões, após deixar o cenário bucólico de Areia.
Na paisagem que se revelava na manhã de sol de outono, uma nota triste nos comoveu, presenciada entre o perfume das flores e o verde do sítio. Soubemos que dois anjos tinham perdido a vida, mesmo que em troca tenham ganhado o paraíso. Esse Paraíso que os poetas Jesus e Dante descreveram.
Ao adentrar na paisagem tão familiar do Brejo, subindo de Pilões até Serraria, antes de descambar para Arara, lugares tão caros para mim, vem à mente o verso de Jonh Keats, “um pouco de beleza e alegria para sempre”. Apesar da cena triste da estrada, este verso nos traz esperança.
Renovo o apego à terra dos antigos coronéis do café e dos engenhos de cana quando passo por esta região. Aproveitei para falar dessa época ao mestre. Para ser abundante na conversa, sem exagerar nos conhecimentos de Botânica, disse era comum a apogamia entre as plantas na região do Brejo. Não sei se ele acreditou.
No tempo de minha infância tivemos a conversão demorada e laboriosa até conhecer suas riquezas materiais e humanas. Serei crítico de mim mesmo se me afastar de Serraria e de Arara.
Em todas as áreas destas duas cidades, pegando uma beira de Pilões e Areia, irradiam luzes abundantes, fortes e grandiosas mais do que as catedrais de pedra porque são obras erguidas pela mão da natureza. Com o olhar sorrateiro, perdido pelo vasto mundo entre grutas e pequenos declives, recolhemos a beleza do verde do outono.
Na catedral da natureza, com a nave ornada de flores e canaviais, água a borbulhar nos riachos e com o gorjeio de pássaros invisíveis, desviamos o olhar da cena que jamais gostaríamos de contemplar.
Contemplamos de soslaio o ônibus emborcado na ribanceira enquanto os corpos das inocentes criaturas, feito anjos, retornavam ao seio paterno na imensidão do Universo, impregnados do perfume da terra, levando consigo o cântico dos pássaros e os murmúrios dos riachos.
Por um instante, o professor e eu seguimos calados, mas a paisagem de Serraria se encarregou de nos devolver o ânimo para melhor percorrer o trecho da estrada que restava até Arara.
         Cruzamos a estrada, sem catabi, observando as borboletas de cores e tamanhos variados bailando sob os ramos de mato na beira da estrada. Por vezes vinham ao nosso encontro como a nos dizer, “sigam em paz, pois os dois anjos voaram para além dos sonhos e do conhecimento”.
         A imprudência humana levou as duas borboletas para conhecer a vida misteriosa que supera nossa imaginação, mesmo que o Nazareno e o poeta florentino tenham explicado tudo sobre a vida no Paraíso.
         Enquanto as imagens dolorosas se distanciavam, o olhar estava para os caminhos por onde passávamos.
Sempre busquei o menino que saiu de Tapuio, porque continuo na casa onde nasci, no grupo escolar onde estudei, nas veredas do tempo e na neblina que carrego há mais de sete décadas. Ando com os olhos no chão, tentando identificar as marcas da paisagem de outrora.
Lembrei ao amigo, em poucas palavras, da criança que signifiquei, mostrei nos pés as marcas da terra luminosa, a casa e os lugares onde brotaram sementes para o alimento da memória.
         Concentrado como a minha avó quando batia bilros, em breves frases, tracei para Milton o perfil do mundo adormecido de minha infância. Detalhei como era a nossa vida em Serraria quando andava com a camisa e calças puídas, convivendo com as goteiras da nossa casa que o tempo não apagou.
         Deixando distante a paisagem entre Pilões e Serraria, alimentada pela chuvinha de março, observando enormes árvores a acenar à distância, continuamos nosso percurso de volta.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB