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Francisco Leite Duarte é advogado tributarista, auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, doutor em direitos humanos e desenvolvimento. Na Literatura, publicou os romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias (“Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas.

As grafias genais de Zé de Lica

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publicado em 25/04/2025 ás 07h00
atualizado em 24/04/2025 ás 19h04

 

Ninguém tinha dinheiro sobrando. Papel almaço? “Para que papel amasso, menino?” Era difícil explicar para papai. Ele nascera em 1898, tudo que tinha sentido era seu escambo com os ciganos.

Eu respondia que para tirar “um dez”, a capa do trabalho teria que ser absolutamente caprichada.

Papai balançava a cabeça, as mãos pra trás, tomava um caneco d’água, circulava pela sala, desconversava, cedia.

O domingo sorria acanalhado. As moedas tilintando em uma caixa de fósforo, misturadas aos meus cadernos, em um saco plástico.

A segunda-feira acordava de madrugada. A pé, eu temia sair do sítio até a cidade, mas como podia comprar as folhas do papel almaço e carregava uma macaúba para o lanche, esquecia as almas penadas das histórias de papai.

A felicidade dançava em um pé só, afinal os deuses haviam me posto em uma posição privilegiada.

Sim. Em 1975, à tarde, eu ajudava no comércio do dono da casa em que eu passava a semana (Antônio de Firmo). A loja ficava defronte do empório de Zé de Lica. Que sorte!

Um senhor elegante, educação ímpar, extremamente respeitoso, culto, uma enciclopédia. Embora eu fosse um garoto, não dava para deixar de perceber. Havia tanta superioridade espiritual naquele homem que ele se isolava, se imiscuía na leitura, nos seus desenhos, pinturas e solidão.

Era na mercearia dele que eu comprava as folhas de papel almaço. Ele me recompensava. Soltava a criatividade, letras garrafais, espiraladas, quadradas, arredondadas, triangulares, arrebatadoras. Uma galeria de fontes, cada qual mais bonita do que a outra.

Depois enfeitava as bordas do papel com sombras degradê, com ou sem lápis de cor. Se a capa era dessa qualidade, eu caprichava no conteúdo. Não poderia decepcionar Zé de Lica. Quando recebia a nota, mostrava o resultado: dez! Zé de Lica sorria fininho pelo canto da boca, satisfeito, satisfeitíssimo.

Na sexta-feira à tarde, eu voltaria para o sítio.

“Também quero 10 quilos de algodão catados”, dizia papai.

Eu fechava a cara. O que me importava era o “dez” tirado com os professores  e professoras do Colégio Estadual de Uiraúna.

@professorchicoleite

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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