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“A disseminação do comércio e do consumo do crack na sociedade brasileira é um fenômeno não mais passível de contestação, atingindo tanto a população urbana quanto a rural. A despeito de relativa prevalência entre os consumidores de baixa renda, o crack já é demandado por segmentos da classe média, envolvendo homens e mulheres, jovens e adultos”. Relata o professor Luis Flávio Sapori, que é coordenador do Centro de Pesquisas em Segurança Pública da PUC – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, em recente artigo publicado no jornal Folha de São Paulo.
Mesmo ainda não sendo o crack a droga mais consumida no Brasil, é imperativo reconhecer que os malefícios sociais gerados por esta substância são muito superiores aos das demais drogas ilícitas comercializadas no território nacional. Seus impactos estão presentes tanto na segurança pública quanto na saúde pública. Há, por exemplo, uma relação muito estreita entre o comércio de crack e o crescimento da incidência de homicídios. Isso porque o comércio desta droga tende a intensificar os conflitos entre os atores envolvidos, em especial entre vendedores e consumidores.
Não é necessário ser um especialista no assunto para ter ciência que o comércio ilícito de drogas, em especial o de crack, tem se configurado no principal combustível da violência, e consequentemente na proliferação dos homicídios e também crimes contra o patrimônio (roubos e furtos).
No que diz respeito à saúde pública, as consequências do consumo desta droga não são menos graves, pois é uma droga que gera proporcionalmente um contingente de usuários compulsivos, e uma incidência de dependência química em intensidade bastante superior àquela advinda do uso compulsivo da maconha e da cocaína em pó (cloridrato), por exemplo.
A proliferação das conhecidas “cracolândias” nas cidades brasileiras não é a única manifestação desse fenômeno. Inúmeras famílias têm convivido diariamente com usuários e dependentes que destroem suas carreiras profissionais, seus laços familiares e de sociabilidade e comprometem a paz e a harmonia social.
E é nesse aspecto que concordo plenamente com o professor Sapori, quando afirma “…que devemos rever a legislação brasileira em alguns aspectos alusivos a internação involuntária, pois mesmo que prevista legalmente, na prática há uma resistência muito grande em relação a este instituto, como opção para a institucionalização de dependentes químicos…”.
É evidente que concordo que o dependente químico é um doente, e que como tal precisa ser visto. Também defendo a tese que a internação involuntária deve ser adotada como exceção, não como regra, mas não há mais como negar que a compulsividade e os danos gerados pelo consumo de “crack”, além de acontecerem logo após pouco tempo de uso, são bem superiores àqueles das demais drogas lícitas e ilícitas.
Assim sendo, prescrever que o usuário do “crack” que se encontra em estágio avançado de dependência somente poderá ser internado para tratamento mediante sua manifestação voluntária é atitude completamente ingênua e ineficiente.
É chegada a hora de deixarmos as ideologias de lado e encararmos a realidade de frente.
O psiquiatra Marcelo Ribeiro, professor na UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo, e um dos organizadores do livro “O Tratamento do Usuário do Crack”, defende que a internação involuntária deve ser considerada para os usuários que estão numa fase aguda do vício, nestes casos, que não são incomuns, muitas vezes o usuário já perdeu a capacidade de escolher o que é melhor para a sua vida, ou seja, se deixa ou não o consumo da droga. Quando isto acontece, a adoção da internação involuntária poderá ser o primeiro passo para que o dependente recupere a condição de analisar e conscientemente decidir acerca da sua própria vida, e bem viver.
Para ex presidente da Comissão de Estudos sobre Educação e Prevenção de Drogas e Afins da OAB-SP, Cid Vieira, “…o que se vê nas “cracolândias” são pessoas que atentam contra a própria vida e a dos outros, e nesses casos, o Estado deve agir de forma enérgica para garantir a vida de todos”.
Como vemos a discussão está posta e deve ocupar ainda muitas manchetes de jornais e debates acalorados de especialistas e população em geral. Uma coisa é certa, do jeito que está não pode continuar. O Poder Público tem que agir com brevidade e efetividade, alicerçado em dados científicos e experiências bem sucedidas já conhecidas em outros lugares ou países.
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OPINIÃO - 06/11/2024