João Pessoa, 24 de abril de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Quando me apaixono por um escritor ou escritora, quero ler tudo deles e delas. Ler tudo o que se escreveu sobre eles e elas. Ler também o que eles e elas leram. Conhecer seus “demônios” individuais, culturais e históricos.
Uso, aqui, a nomenclatura de Vargas Llosa, estudando Gabriel Garcia Marques, no delicioso e indispensável História de um deicídio.
Chego a formar estantes com esses acervos especiais. Diria mesmo que se trata de uma paideia literária que me oferta nomes para cravar o espaço das prateleiras, numa ordem bibliográfica que foge ao rigor e à eficácia dos padrões científicos.
Uma ordem que cede aos encantos e às manias de uma paixão quase mística pelo universo dos livros. Uma ordem que apela para o gosto íntimo, para uma relação em que magia e erotismo se fundem numa convivência ao mesmo tempo crítica e sentimental.
Fui ler, por exemplo, Thomas Hardy, por causa de José Lins do Rego. Lawrence Durrell, por causa de Henry Miller. Dostoiévski, por causa de Albert Camus e Ernesto Sábato. Julien Green, por causa de Lúcio Cardoso. Virgínia Wolff, por causa de Clarice Lispector. Euclides da Cunha, por causa de Ariano Suassuna. Os grandes de Inglaterra, por causa de Jorge Luís Borges. Eça de Queiroz, Machado de Assis, por causa de Graciliano Ramos. William Faulkner, Daniel Defoe, Frans Kafka, por causa de Gabriel Garcia Marques.
E assim, sucessivamente, na escala elástica e flexível da leitura.
Escreveria parágrafos sem fim, fosse falar dessa odisseia biobibliográfica. De minha biblioteca amorosa. Do meu jeito de lidar com os escritores e escritoras que me habitam a sensibilidade e o imaginário. T. S. Eliot, a quem li, por causa de César Leal e Oswaldino Marques, tem toda razão. Os poetas, os autores, os artistas, nunca podem ser conhecidos, sozinhos.
Existe uma cadeia carregada de elos ligando uns a outros. Ninguém consegue ser nada sem a linha incontornável da tradição a costurar as aproximações, as semelhanças e as diferenças.
Os precursores não só vêm antes. Vêm depois, a partir de uma lógica inelutável que organiza os capítulos de uma gramática histórica a nos permitir ver, por exemplo, em Olavo Bilac, e mais que em Olavo Bilac, em Alberto de Oliveira, sinais intransferíveis de João Cabral de Melo Neto. João Cabral e Francis Ponge não teriam qualquer coisa de irmãos gêmeos?
Aprecio, portanto, as páginas em que os escritores e as escritoras discorrem acerca de suas primeiras leituras, das leituras que os marcaram, das leituras que nunca abandonaram nas circunstâncias particulares de suas vidas de escritor.
A propósito, eis um curioso método. Rastrear o que existe de fulano em beltrano. Ao lermos os antecessores, podemos compreender melhor os autores que estamos lendo.
Cotejar posições ideológicas, preferências temáticas, táticas estilísticas, configuração de personagens, técnica de composição e outras nuances expressivas de um texto podem nos conferir a oportunidade de conhecer melhor a obra desse ou daquele escritor ou poeta.
Em certo sentido, está entre eles e elas, isto é, escritores e escritoras, simultaneamente, tanto pela linhagem, quanto pelo tempo, pela geografia, pela vertente estética, nos ilumina a possibilidade de estabelecer relações de convergência e de antagonismos, alargando, assim, o horizonte de expectativa do leitor diante da complexa fenomenologia literária.
Em síntese, se quisermos ler, ler bem lido, o autor ou a autora que amamos, não devemos ler apena ele ou ela. Há uma enorme, diversa, infinita viagem livresca por se fazer.
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OPINIÃO - 06/11/2024