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“Sebastião”, novo livro de Claudio Fragata, é leitura obrigatória para todos

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publicado em 02/03/2024 às 17h26
atualizado em 02/03/2024 às 15h42

Kubitschek Pinheiro – MaisPB

Imagine alguém escrever um livro infantil sobre um desastre socioambiental para crianças e adolescentes? Pois aconteceu pra valer, para ler, para saber desde pequeno das coisas do mundo. Os governos fazem tudo para que o povo que sofreu, rala, esqueçam as catástrofes, a miséria em toda parte, nos 4 cantos do Brasil. O livro é leitura obrigatória para adultos e crianças.

Um ano depois da tragédia no bairro de São Sebastião, município do litoral norte paulista que foi o mais atingido pelo desastre do carnaval de 2023, quando 64 pessoas morreram devido aos deslizamentos causados pelas chuvas, nessa dor contínua, Claudio Fragata com colaboração de Janaína de Figueiredo escreveram e  lançaram: “Sebastião”, com selo da Aletria Editora

processo criativo de “Sebastião” escrito com ilustrações incríveis de Rodrigo Mafra, já está em todas as livrarias – com 32 páginas, o livro levanta temas fraturantes para a literatura infantojuvenil e custa R$ 80 no site da editora (www.aletria.com.br).

A obra é protagonizado por Sebastião, que recebeu esse nome em homenagem à cidade onde ocorreu a tragédia. A família do narrador se salvou, mas perdeu tudo na tempestade que devastou São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, em 19 de fevereiro de 2023. O menino, os pais, irmãos e avô conseguiram escapar, atentos que estavam aos sinais emitidos pelo cachorro Biró. Não é incrível? E ainda tem quem abandone o animal na rua. Essa parte é uma das mais tocantes do livro.

Além de servir de apoio às crianças atingidas por essa ou outra tragédia similar, a obra ainda discute os problemas em torno das origens dos deslizamentos de terra, responsáveis por tantas mortes e destruição de bairros, rios, cidades inteiras… “Sebastião” é uma fotografia, uma tentativa de dar voz aos relatos testemunhais das vítimas de um soterramento dessa grandeza.


Claudio Fragata é autor de vários  livros a exemplo de  “A África Que Você Fala”, que mostra as palavras de origem africana usadas no Brasil. Em conversa com o MaisPB ele abre o jogo conta tudo do livro da vida do povo de São Sebastião.

MaisPB – São Sebastião já é um nome belo, o fio condutor da obra, o menino Sebastião. Vamos começar por aqui, da necessidade de escrever um livro sobre essa repetição em tantos lugares e vidas destruídos no Brasil?

Claudio Fragata Acredito que as tragédias ambientais representam o desamparo do povo pobre brasileiro. No caso de São Sebastião a linha divisória é a Rio-Santos, de um lado os muito ricos, do outro, pendurados no morro, os pobres ⁠que trabalham nas casas ricas do outro lado. Isso é a cara do Brasil. Os jovens leitores precisam conhecer essa realidade. Quando abrem a porta, é esse mundo desigual que vão encontrar. Eu sempre penso que as crianças estarão no comando amanhã. Quem sabe elas sejam menos conformistas e resignadas do que os adultos de hoje.

MaisPB – A derrubada das casas ainda lembro nas imagens – os moradores da Vila Sahy, no bairro de São Sebastião, o desespero de quem nunca teve nada e esse seu livro é um documento, um tapa na cara do Brasil. Vamos falar sobre isso?

Claudio Fragata –De certo modo, já respondi parte da pergunta. As imagens da tragédia me impactaram muito, a ponto de paralisar meus outros projetos. Foi assim que nasceu a parceria com Janaína Figueiredo, que mora em São Sebastião e viu o horror de perto.

MaisPB – Como se deu a iniciativa de escrever o livro com Janaína de Figueiredo – a pesquisa?

Claudio Fragata –A parceria foi muito providencial. Janaína me passou muitas informações sobre o que via. Eu tinha muito interesse em saber sobre as crianças, o que sentiam, como lidavam com tanta perda e sofrimento. Decidimos que a história seria contada por um menino caiçara e assim seguimos em frente.

MaisPB- O livro na verdade traz a saga de uma família que escapou e vocês dão voz a eles. Isso é fundamental, apesar da dor e da perda, é?

Claudio Fragata –Sebastião e a família são sobreviventes e isso não diminui a tragédia que vivem. A tragédia de perder tudo, de não ter para onde ir e, ainda assim, recomeçar.

MaisPB – Essa parte do Cachorro Biró é tocante. Cinematográfico?

Claudio Fragata –Os animais também são vítimas dessas tragédias. Costuma-se dar menos importância a eles. Biró teve sorte, sobreviveu assim como seus tutores. Há drama maior do que um cão sem os donos para proteger?

MaisPB – A capa do livro é bonita alegre e traz uma paz. Uma arte primorosa de Rodrigo Mafra. Bora falar sobre essa sacada?

Claudio Fragata –Rodrigo é um dos maiores ilustradores da nova geração. Ele conseguiu retratar a tragédia com muita cor e fragmentação. Vejo hoje que só ele poderia ilustrar Sebastião com tanta dramaticidade e até poesia.

MaisPB – Aliás, as ilustrações dele se parecem todas em lego, é isso mesmo, né?

Claudio Fragata –Parecem sim. Rodrigo é perito em esculpir bonecos de madeira, pequenas estatuetas, como Picasso e Torres Garcia fizeram. Ele traz a mesma tridimensionalidade para suas imagens.

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MaisPB- Você vem do jornalismo, a Recreio, da Editora Abril, criador e editor dos Manuais da Turma da Mônica, na Editora Globo, e tem mais de quarenta livros publicados. Potência, né?

Claudio Fragata –Não me vejo assim. Me vejo mais como uma pessoa que faz o que tem de fazer. Poderia fazer mais, tenho vários projetos, mas sou um pouco preguiçoso.

MaisPB- Em 2014, ganhou o Prêmio Jabuti com a obra “Alfabeto Escalafobético”. Recebeu o selo Cátedra de Leitura da Unesco/PUC Rio com o livro “João, Joãozinho, Joãozito” – o livro conta a infância de João Guimarães Rosa e esteve entre os finalistas do Prêmio Jabuti 2018. Fala aí desses livros, da importância de Guimarães Rosa na vida da gente?

Claudio Fragata – Prêmios são importantes, são sempre um reconhecimento sobre o nosso trabalho. Com o Jabuti, descobri que meus livros tinham valor cultural, coisa que não sabia até então. Afinal, é o maior prêmio literário do país. Mas como disse o escritor Haruki Murakami, mais importante do que ganhar prêmios é ter bons leitores. Isso eu tenho, graças aos céus!

MaisPB- E o Rosa?

Claudio Fragata – Quanto a Guimarães Rosa, eu o considero o maior escritor brasileiro. Foi um menino exemplar, que tinha muita facilidade para aprender línguas, amava os livros e os animais. Achei que as crianças de hoje precisavam conhecer esse menino e assim nasceu João, Joãozinho, Joãozito.

Fragata, Rosa e os gatos 

Claudio Fragata nasceu em Marília, interior de São Paulo, e cresceu numa fazenda, cercado de livros e animais. Aos 16 anos ganhou do pai o romance Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Mergulhou na leitura, ouvindo ao fundo o mugido dos bois no curral. Foi assim que o escritor mineiro entrou em sua vida para nunca mais sair. Hoje, Claudio mora na capital e, como Guimarães Rosa, adora gatos. Tanto que tem quatro siameses: Olívia, Dinah, Sofia e Fellini. Foi editor das revistas Globo Ciência, Galileu e Recreio. É autor dos livros As filhas das gatas de Alice moram aqui, O vôo supersônico da galinha Galateia, Seis tombos e um pulinho, A princesa boca-suja, entre outros. Segundo ele, João, Joãozinho, Joãozito, é a história de um menino tão extraordinário que bem podia ser um personagem inventado.

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