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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Saudade dela

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publicado em 18/02/2024 às 09h26

24 anos. Eu queria a sua mão de regresso nesses tempos em que não existe mais os caracóis dos meus cabelos. Nem os da canção de Roberto. Lembro com muito gosto da noite em que ouvi na calçada de sua casa, no sertão, o disco de Roberto Carlos, onde está a canção “Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos” (1971), que o rei fez para Caetano Veloso, quando estava no exilio.

      Eu pensava que a canção fosse para um amor, um grande amor. E era. Dona Iracy Lacerda, a “Mãe Velha”, que gostava do Roberto, surgia em dia de sol e a gente festejava a descoberta.  Com o céu azulejado e estrelas por perto, nas noites sertanejas lâmpadas brancas desabrochavam e uma alegria como se todos os meses fossem novembro, quando ela veio ao mundo.

    Uma mulher moderna que desafiava os ventos e pitacos. Eu tinha amor por ela. Ainda vejo essa mulher nos sonhos rareando sua longitude, nunca à espera da morte, que um dia veio.

Não sei nada dela, sei da proteção, da maneira como ela me colocou na família, como se tivesse me parido, e não precisava, eu já era seu Macunaíma, pertinho da beleza de suas seis filhas. Eu aproveitei bem esse tempo da delicadeza.

     Olhando a fotografia, ela com o cigarro na mão, em movimento, a face petrificada no silêncio dos seus, dos meus, nossos beijos. Ela era tão bonita…

Se alguém entre os deuses mais lindos mereceu a eternidade, ela é um deles. Meu pai também, que tinha uma paixão escondida por ela. Uma paixão assim é mais cruel que platônica. Mexe muito com a libido.

Mesmo com o estandarte dela entre nós, o barco segue e acelera ritmos cardíacos, mas estou aqui pensando nela. Estou mais entregue à roleta da vida, sem munições.

Sim, queria muito que ela tivesse conhecido meu filho Vitor, como ela adorava os seres e não seres. Como se fossemos ficar para sementes. Sempre.

    Traçou nossos caminhos sem atalhos, sabia de todas as indicações da estrada, conheceu primeiro a obra do filosofo Voltaire e não escondia a verdade do mestre: ‘Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”.

Gostava dos Novos Baianos, Augustinho dos Santos e todos os milagres dos peixes da canção de Milton Nascimento.

Não era daqui uma mulher que nasceu em 1918, que teve  amigos leais, não era possível que uma mulher tenha tido tanta coragem, tanto conhecimento vinda de um lugar onde o demo fez a curva. Partiu no dia 12 de fevereiro de 2000.

     Ela conhecia as árvores dos mais pobres e humildes, o telhado de zinco, até que a rota deixou de fazer sentido e ela deu um pito em nós. Como se o sol não quisesse mais o dia.

     Encovados e desertos de esperança, somos o que somos, pela convivência com essa mulher. Como se eu deixasse de pertencer a minha família, para viver a família dela.

    Ela na sombra da árvore de Augusto. Ela que resistiu ao som dos imbecis, para nos ver adiantados na vida.

     Ela era da noite e tinha um olhar triste de menina. pelo comprimento dos anos que esteve entre nós. Talvez por isso estamos sempre voltando aos locais onde deixámos a infância. Saudade dela.

Kapetadas

1 – Dá pra evitar o estresse; não dá pra evitar os estressados.

2 – Se você se sentir mal por algo que você fez bêbado volta lá e faz a mesma coisa sóbrio.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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