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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Memórias da estrada

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publicado em 20/04/2025 ás 07h00
atualizado em 20/04/2025 ás 10h54

 Quando não sou perspicaz, nem sagaz, sequer inteligente, ou de uma sensibilidade que não consigo deglutir pedras, (e quem quiser que atire as suas), porque eu não sou a Madalena. Sim, a festa é imodesta, que faço com o outro, ou quando reencontramos ossos, sem rasgar seda, sem mandar flores.

A paisagem vai ficando na estrada, onde morre o sol do nosso convívio. Nenhuma palavra na travessia. Até botamos o trivial em dia. Paramos para comermos um misto quente. Filmamos a paisagem, mas não postamos.

Na volta, almoçamos no Buraco da Gia, em Goiana. Nunca tinha penetrado naquela escavação. O silêncio da estrada, um tipo de silêncio que não me incomodava. Lembrei do grito solto parado no ar de Gianfrancesco Guarnieri.

No carro, a música de Milton Nascimento preenchia um coração que nasceu livre – a voz de Milton pede silêncio e ninguém ousaria impor um limite à música, mas alguém ali impôs um desejo: “Bota o Roberto”. Não, as curvas da estrada de Santos já não servem como indicativo do GPS. Um amor que eu tive e vi pelo espelho na distância se perder´

Quando eu morrer ficarei livre de muitas respostas, tantas perguntas e  devo levar somente as que me tocam a poesia dos meus dias. É confuso, mas houve causa e efeito e, nesse sentido, para o próprio bem, deixa o Clube da Esquina tocar, o que não toca mais no girassol de seus cabelos.

Quando eu morrer não estarei mais atento as cobranças indevidas dos seres e pareceres, que se veem empurrados, empurrando a vida dos outros. Não ouvirei mais meu nome em alto som, para socorrer o que já está morto. 

O passado, na memória da estrada, ficou no retrovisor. Não é bom repetir os mesmos lugares, os velhos acenos e insensatez onde se busca o resumo em que antes se falava de amor, agora é só dor. 

Na metade da estrada, um inseto amarelo estranho esbarrou no vidro do passageiro, parecia dentro do carro, assustador como a barata de Kafka, como se não estivéssemos a dar conta da inutilidade voluntária da existência como recomendou Allan Kardec. Não espero acontecer o que não continua.

Quando a presença dos antigos conhecidos viram desconhecidos e tudo deixa de surtir em nós qualquer efeito, e o mundo já não é fulgás, ( da canção de Marina) e ser feliz por um triz e só é o jeito, até para o que não tem jeito.

Os dias passam e a gente continua na estrada  sentindo o apodrecer num silêncio cruel.

Os nomes nunca precisam ser anunciados. O escritor André de Leones, autor do livro ´Meu Passado Nazista´(selo da Record), que relata a história de seu avó, “el matador” de milhares de judeus; o neto sabe muito  bem da  câmara de gás, do morrer sem fim, da cara de quem reconhece um nazista no escuro. Aliás, mundo está cheio de nazistas.

Nessa asa do vento, nessa compaixão, começam a despregar as fotos das paredes de modo a não perder o fio da meada, não o que enforca, mas o que liberta, mesmo havendo outra Br à vista, outra paisagem, a que ficou para trás,  quando tive que parar o carro para mijar no mato, sem cachorro. Au!

 Kapetadas

1 – Olha, veja  existe consciência social e existe inveja. Tem muita gente usando o primeiro pra disfarçar o segundo.

2 – Você percebe que a pessoa precisa de terapia pelo número de “eus” que ela fala, mesmo o assunto não sendo sobre ela

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB