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Clara Velloso Borges é escritora, professora de literatura e mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]  

Todo mundo vai sofrer

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publicado em 21/04/2023 às 07h00
atualizado em 20/04/2023 às 17h39

O que pode o amor que só vai, mas não volta? Aquele amor que não é construído, ficando estacionado na idealização, porque só um deseja o outro. Enquanto amor, pode pouco. Já como insumo para a arte, pode muito.

Gostar de quem não gosta de nós é uma experiência tão antiga que o termo utilizado para designar esses amores intangíveis é platônico. A origem da expressão vem da obra O Banquete, de Platão, (foto) que traz diálogos sobre várias formas de amor. Dentre elas, a busca pelo que não se tem. A parte que falta. E que vai continuar faltando, já que a vontade não é mútua, e it takes two.

Amores platônicos fizeram périplo da Grécia Antiga até o Brasil do século XX. Drummond, em Quadrilha, narra desencontros amorosos pueris de uma turma. “João amava Teresa que amava Raimundo / que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili / que não amava ninguém.”. Entre uma série de desfechos trágicos dos colegas, só quem casa é  justamente quem não amava ninguém. E casa com um sujeito que não tinha entrado para a história, com nome de burocrata.

Em Flor da Idade, que talvez apresente os mais belos versos musicados em língua portuguesa sobre o primeiro copo, o primeiro corpo e o primeiro amor, Chico Buarque redesenha a Quadrilha. Agora, “Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava Paulo / Que amava Juca que amava Dora que amava.”

São de uma grandeza e de uma sensibilidade ímpares. Contudo, falta uma aproximação do eu-lírico. Tanto nos versos do poeta quanto nos versos do cantor, as relações amorosas são vistas de fora. Parece que o eu-lírico não pode ser maculado pela sina de gostar de alguém que não gosta dele. Como só observa, fica imune à vulnerabilidade do amor.

Quem  quiser entoar uma canção que coloque o sujeito sofredor pelo amor platônico em primeira pessoa, terá que encher os pulmões de ar. Assim, com a música nas alturas, honrará os versos da saudosa Marília Mendonça: “quem eu quero não me quer, quem me quer não vou querer./ Ninguém vai sofrer sozinho, todo mundo vai sofrer.”

Embora em formas distintas, no fim, Drummond, Chico Buarque e Marília Mendonça evocam o mesmo sentimento.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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