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Professora Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP]. E-mail: [email protected]

O resgate da cultura indígena

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publicado em 25/02/2023 às 11h38
atualizado em 11/03/2023 às 18h27

A cultura é a manifestação concreta do conhecimento do homem. Está presente na sua existência desde seus primórdios. Associamos o termo cultura à intelectualidade, chamando de culta uma pessoa que tem um amplo e clássico repertório literário, musical, linguístico ou artístico, onde está incluída a cultura erudita. Em contra ponto, temos a cultura popular que é aquela construída de forma espontânea e intuitiva.  A ciência no estudo da cultura emprega vários fundamentos epistemológicos com enfoque na sociologia, filosofia e antropologia. No entanto, cultura é muito mais do que isso. É qualquer produção que venha ser construída pelo homem. Nela estão embricados todos sentimentos, seus costumes, pensamentos e ideias que descortinam o contexto do modo onde vive ou viveu. Cada povo de acordo com sua etnia apresenta cultura diversificada que constrói sua identidade e possui traços comuns entre si pertencentes àquela sociedade ou agrupamento humano. O que vestimos, pensamos, falamos ou comemos está sempre conectado com algo maior que nós mesmos: a cultura. Esses elementos através de mecanismos adaptativos e acumulativos vão sendo incorporados aos indivíduos e têm continuidade através de gerações a gerações, assegurando sua perpetuidade. A exemplo, a cultura das construções, as obras de arte (pintura e escultura), o vestuário de um povo, os utensílios típicos usados diariamente, suas cidades, embarcações e meios de transporte etc. São elementos da cultura, o idioma, a religiosidade, as festas populares, as artes, a culinária, a maneira de se vestir, entre outras coisas, tudo isto obedece a regras formadas a partir dos valores que servem para regular o comportamento daqueles que dela fazem parte. A cultura brasileira é influenciada por três grupos étnicos:  a cultura indígena, a cultura africana e a cultura europeia. O país possui várias culturas regionais, como no Sul, onde se cultiva o hábito de se tomar o chimarrão; no Nordeste, a literatura de cordel; No Centro-Oeste, as festas religiosas e as Cavalhadas; Na Região Norte, a culinária é influenciada pela cultura indígena, e outros.

Quero falar nesse espaço sobre a cultura indígena homenageada no maior evento do artesanato do Estado da Paraíba que se constituiu no 35º Salão do Artesanato Paraibano, acontecido de 13/1 a 05/2, funcionando todos os dias no horário de 15 às 22 horas, na Av. Cabo branco, 2260, em João Pessoa, numa área climatizada de 3.600m² realizado sob a responsabilidade do Governo do Estado e do Sebrae/PB, com a expectativa de R$2 milhões em negócios. Tema do evento: “Artesanato Indígena”. A cultura indígena paraibana é representada pelas etnias potiguara no litoral Norte, e tabajara, no litoral Sul. Valorizaram-se as tradições dos primeiros povos aborígenes a ocupar o Estado. O Salão onde aconteceu a feira foi decorado com esmero pelos arquitetos Gustavo Vaz, Rosemildo Jacinto e Iris Paiva, fazendo com que o visitante, ao adentrar, fizesse uma imersão na cultura indígena através dos sentidos da visão, do olfato e do paladar. A fachada foi ornamentada com o grafismo utilizado nas aldeias para pintura do corpo, além de componentes cenográficos, como canoas utilizadas pelos indígenas na atividade pesqueira e a réplica de uma oca. Isto tudo sob o som da música da Dança do Toré, um ritual sagrado para os indígenas, e incensos de ervas típicas de seu convívio tribal.

O número de artesãos inscritos (540), dos quais cerca de cento e cinquenta não residem em João Pessoa, necessitando de alojamento que nesta edição funcionou na Villa Olímpica Parahyba (parceria exitosa com a Secretaria de Juventude de Esporte e laser) localizada no Bairro dos Estados. Estavam expostas na feira 23 tipologias artesanais, bem demostra a aceitação e o espaço conquistado desse segmento motivado pela geração de emprego e renda. Cada tipologia ganha representatividade do local e da população que a produz convertendo-se na identidade social comum, como raça, gênero, sexualidade e origem geográfica. Em consequência surgem movimentos culturais, artísticos e literários. Cada artesã orgulha-se de sua criatividade que tem como genuína e única, resultado de uma herança passada de pais para filhos que se perpetua durante gerações. Isto acontece nas várias especificidades do artesanato. Cada artesã ou artesão com seu talento chega a outras plagas no Brasil e no exterior. Exemplos: Guariguazi que produz sua arte entalhando madeira, Francisca Moraes que pinta painéis com uma técnica que utiliza cera de abelha para criar um efeito de tom sobre tom em tecidos; Andrea Gomes, artesã indígena, confecciona colares, pulseiras, maracás e outros adereços; Chico Ferreira destaque na cerâmica; Maria Lúcia de Oliveira Brito, tecelã por tradição da família, possui uma tecelagem onde confecciona redes, capas de almofadas e outros materiais que encantam os olhos dos visitantes; Maria Helena Matos e suas irmãs que se destacam no bordado e além disso costuram e pintam. Tornaram-se notáveis. São procuradas por estilistas famosos e designers do mundo inteiro. Assim se expressam: “Eu gosto muito de retratar nosso dia a dia, nossos costumes e nosso dialeto. Gosto de recriar as cenas do nosso cotidiano, as plantas típicas do Nordeste e tudo que abrilhanta a vida, sabe?

Com notoriedade no Brasil e no mundo da moda, ressalta-se a renda renascença originária do Cariri Paraibano e sua exímia artesã Marlene Leopoldino líder pela perfeição de sua renda e que em conjunto com 3 mil mulheres encontra-se envolvida na produção da renda renascença. O arranjo produtivo da renda renascença  do Cariri realça-se no cenário internacional pelas seguintes razões: primeiro, pelo seu IG – Identidade Geográfica emitido pelo INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Justifica-se porque não existe em nenhum lugar do mundo   mais de 3 mil pessoas fazendo renda renascença no mesmo território com as mesmas características técnicas. Segundo, há uma lei estadual de autoria do Deputado Chió do partido REDE e sancionada pelo Governador João Azevedo que identificou a renda renascença do Cariri paraibano como patrimônio cultural e imaterial da Paraíba. Terceiro, o Conselho Mundial do Artesanato, órgão chancelado pela UNESCO, reconheceu a cidade de Monteiro no Estado da Paraíba como cidade mundial de Renda Renascença. Ressalte-se aqui o apoio incondicional do Governador João Azevedo, da primeira dama e presidente de honra do PAP- Programa do Artesanato Paraibano, Ana Maria Lins, além de todo esforço dos prefeitos das cinco cidades envolvidas (Camalaú, Monteiro, São João do Tigre, São Sebastião do Umbuzeiro e Zabelê) capitaneadas pela Prefeita da cidade de Monteiro, Anna Lorenna Nóbrega, que também cuida com  cuidado e zelo do recém inaugurado CRENÇA – Centro de Referência da Renda Renascença, local que se destaca como ponto turístico fundamental da região, onde além da comercialização das peças é desenvolvido um laboratório permanente de inovação e tecnologia para  o setor em parceria com o SEBRAE.

Merece destaque a programação cultural realizada na praça de alimentação do salão que com o apoio da FUNESC apresentou talentos musicais e folclóricos além da gastronomia regional. Antes de chegar a praça, o turista ou cliente também poderia ser atendido nos estandes institucionais dos parceiros tais como: Corpo de Bombeiros da Paraíba, DETRAN, PROCON, PROGRAMA EMPREENDER, CAGEPA, JUCEP, Secretaria da Mulher e Diversidade Humana,  Secretaria de Administração Penitenciária, PBTUR e EPC- Empresa Paraibana de Comunicação.

Fato inédito foi o Botafogo Futebol Clube da Paraíba ter confeccionado seus uniformes para o ano de 2023 com impressões em homenagem a renda renascença do Cariri Paraibano. Numa iniciativa diretamente ligada ao artesanato, o Presidente do Belo, Alexandre Cavalcanti e o diretor Paulo Victor Lopes em acordo com o PAP, resolveram fazer o lançamento das referidas camisas  no 35º Salão do Artesanato, fato justificado também pela sensibilidade do Clube em reverter um percentual do valor arrecadado com as vendas para o CRENÇA.

Ponto alto do 35º Salão do Artesanato foi também o desfile de uma coleção da Renda Renascença cujas roupas foram desenhadas pelo gestor de moda Itamar Dias, engajado no Projeto de Extensão PROBEX/COMEX sob a coordenação da professora Doutora Márcia Paixão. O consultor Ricardo Gomes, proprietário da V Agency Models, finalizou seu curso de modelos profissionais no referido evento que se configurou em mais uma prova de que o compartilhamento de ideias e propósitos nobres alcançam o sucesso.

O 35º Salão do Artesanato encerrou com pleno êxito alcançando recorde de vendas acima das metas previstas, com uma arrecadação de R$2.535 000 (dois milhões e quinhentos e trinta e cinco mil reais), o que corresponde a 96.353 peças comercializadas. Adentraram ao salão 130 mil visitantes do Brasil e do mundo inteiro. Ao Projeto Salão Solidário, que é uma parceria entre a Secretaria do Estado do Desenvolvimento Humano e o Hospital Padre Zé, foram doados pela população visitante 5.534 itens de alimentação, e distribuídos com entidades que atendem a pessoas em situação de vulnerabilidade social.

O 35º Salão do Artesanato concluiu deixando  os participantes felizes por encontrarem no artesanato a renda e a divulgação de seu trabalho permitindo a continuidade e desenvolvimento através dos contratos estabelecidos. Nesse sentido, a artesã da etnia potiguara, Talita Brito, expressou o sentimento do seu povo dizendo: “Os artesãos potiguaras estão extremamente gratos pela oportunidade, pelo espaço ofertado, pelo respeito à cultura indígena. É gratificante saber que nossas peças estão pelo mundo a fora. Muitos turistas nem sabiam que a Paraíba é habitada pelos povos originários, e essa homenagem proporcionou a divulgação  e a comercialização do nosso trabalho”. Além dos indígenas todos os outros participantes do Salão sentiram-se plenamente compensados com o sucesso. Essa euforia também foi sentida pelo Governador João Azevedo e a primeira dama Ana Lins, pois desde a primeira hora foram seus mentores assumindo o compromisso de honra com a comunidade indígena prestando essa justa homenagem o que os deixou gratificados. Falou o governador: “ Uma história que demostra claramente que aquilo em que apostamos,  desde 2019, se concretizou: o segmento artesanato é mais que cultura. É também economia, que gera emprego, que gera renda, que faz diferença na vida das pessoas”. Outros órgãos através de seus representantes estão comemorando: a Secretária de Estado do Turismo e Desenvolvimento Econômico, Rosália Lucas, a gestora do PAP, Marielza Rodriguez, Jocieux Palmeira, gestor do artesanato do SEBRAE/PB, todos vibrando com a excelência dos resultados.

Como se depreende, o artesanato assume várias facetas – sociais, econômicas e antropológicas. Seria impossível detalhar todas elas.  O nível de abrangência é grande seguindo uma linha de desenvolvimento e produção que vai desde o indivíduo artesão até ao consumidor. Por trás de cada produto existe uma história de vida, de família, de sociedade, de muita luta e sofrimento. Os artesãos e artesãs são guerreiros que tiram da criatividade e de seus talentos formas de transformarem suas vidas e de alcançarem seus sonhos e desejos. Num Estado em fase atual de desenvolvimento o incremento ao artesanato é uma saída. Está certo o Governador do Estado.

Profª. Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP)

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