Escrevo e, certamente muitos já o escreveram e disseram, o mesmo livro, desde sempre. Inventando ou reproduzindo com algumas criações histórias para contar sempre o mesmo. Ou chegar ao mesmo ponto. O ponto de partida. Pois andamos em círculo. A vida é mesmo vertiginosa. E por mais que busquemos novos brinquedos estamos fadados a nos repetir, desde a infância, aquela que jamais nos abandona.
Curioso, penso agora, quanto mais empurramos o nosso eu infantil para um porão ou sótão pretensamente inacessível, mais a criança se expõe. É só prestar atenção nos senhores das guerras, nos apologistas de ditaduras sanguinárias e suas torturas de mil faces horrendas. Crianças cruéis, feridas em suas mediocridades, que em vez de lutarem para superarem suas limitações, optam por invadir os limites do outro.
A dor alheia os alimenta. O sofrimento do outro os faz exibir aquele esgar que chamam de sorriso. O riso sarcástico do assassino, mesmo quando não faz o trabalho sujo, apenas mancha inteiramente as mãos e o corpo inteiro do sangue do inimigo indiretamente. Indiretamente?
Palavra equivocada, pois ação só é executada ou concluída na razão direta de suas ordens. Seja para o carrasco, matador de aluguel, corisco ou outra denominação qualquer agir, se omitir, ou fingir. Tristes seres que dominam o mundo. No entanto, só estão no poder porque encontram muito respaldo em outros milhões de iguais. O inferno não está no fundo da Terra, quando se olha assim. Quando se pensente assim.
Mas, como disse anteriormente, há o outro pólo e seus outros milhões. Muitas vezes, ou melhor, sempre, dentro de cada um, fazendo as conexões, as batalhas, os encontros, as festas, os desencontros, as criações, as ternuras e as torturas internas e externas. Somos muito mais que os bilhões que se contam nas estatísticas demográficas. Muitos, muitos mais.
E o mundo pulsa, encolhendo e se expandindo, como se respirasse no mesmo compasso que todos nós. Que ritmo! Ouço tambores, atabaques, louvores, cantos gregorianos, sons medievais, os gritos indígenas, os urros aborígenes, todos contidos num incomensurável OM.
Como se sabe, é preciso tomar fôlego. Começa-se com o som no seu mais alto volume e conforme sua expiração se dirige ao fim, vai pouco a pouco se extinguindo. No vale dos ecos esta vibração sonora que percorre todos os nossos sentidos (de vida) e as nossas sensações se prolonga, mas sempre chega a um fim. Para depois refazê-lo, retomá-lo, reencontrar a inspiração e reiniciar. Indo de alguma forma, sempre e sempre, dos tempos imemoriais, quando nem ser humano por aqui havia até esses confusos dias em que (ainda) sobrevivemos.
Feliz Ano Novo!