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Clara Velloso Borges é escritora, professora de literatura e mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]  

Pão e verbo

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publicado em 23/12/2022 às 07h00
atualizado em 22/12/2022 às 15h09

Não há como escapar das filas no final de ano. Se encomendar salgadinhos para o Natal, haverá fila no buffet. Se fizer a ceia em casa, haverá fila no supermercado. Se faltar algum presente, haverá fila no shopping. Se comprou os presentes há tempos, mas esqueceu de embalá-los, haverá fila para comprar os pacotes. E ainda devemos agradecer ter filas para encarar: a Folha de São Paulo divulgou essa semana que famílias pobres pretendem dormir na noite de Natal, por não possuírem ceia.

A fome é uma questão social que persegue o brasileiro desde o período colonial. Entretanto, a reportagem possui um teor mínimo de novidade, porque o Brasil havia saído do mapa da fome no começo do século. É daquelas notícias que enfraquecem uma nação inteira, que fazem uma criança questionar a existência de Papai Noel.

Carolina Maria de Jesus, uma das primeiras escritoras negras brasileiras, teve sua vida atravessada pela miséria. Em Quarto de Despejo, publicação que reúne seus diários de quando era catadora e morava na favela, escreve: “e assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a escravatura atual – a fome!”. Era uma mulher brilhante, com fome de literatura. Munida do dom da palavra, que tantas vezes liberta. Contudo, por não saciar a fome primeira, básica, subsistencial, ainda se sentia presa.

Caso o bom velhinho leia também colunas de portais de opinião, e não apenas cartas endereçadas ao Polo Norte, deixo aqui o meu pedido: que em 2023 tenhamos fartura, de pão e de verbo.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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