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Clara Velloso Borges é escritora, professora de literatura e mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]  

Equilibrismos

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publicado em 02/12/2022 às 07h00
atualizado em 01/12/2022 às 12h42

Cumulativas, incansáveis e redundantes, as obrigações cotidianas são um dos piores pesadelo da vida adulta. Lavar a louça, por exemplo, é um castigo digno de Sísifo, (foto) personagem mítico da Grécia Antiga condenado a subir diariamente uma montanha, empurrando uma pedra. A punição de Zeus foi tão severa que toda vez que Sísifo alcançava o topo da colina, a pedra rolava colina abaixo, obrigando-o a começar do zero. Toda vez que deixo minha pia limpa, a louça lá se acumula, me obrigando a enxaguar do zero.

A pequenez e a repetitividade dessa obrigação só não é mais penosa porque é exigido que a equilibremos com outros aspectos da vida. Não se pode adoecer quando vigora um prazo importante. Não se pode descansar plenamente, porque há sempre uma louça por lavar. Não se pode sofrer com indigência moral por uma perda amorosa, porque as responsabilidades se sobrepõem aos instintos.

Nem mesmo os personagens criados pelos mais brilhantes escritores conseguem manter em harmonia todas as áreas da vida. Romeu e Julieta têm muita paixão, mas acabam todos mortos. Bouvard e Pécuchet, personagens de Flaubert, buscam conhecimento, mas não conseguem equilibrar a erudição com a humildade. Jay Gatsby, no texto de F. Scott Fitzgerald, é dono de uma riqueza digna de ser listada pela Forbes, mas nenhuma festa opulenta que promove preenche o seu vazio interior.

O equilíbrio pleno das múltiplas faces de nós mesmos desafia tanto a espontaneidade quanto as agendas apertadas, tanto a lucidez da imperfeição quanto as imagens irretocáveis do Instagram. Afinal, cada uma dessas faces possui suas fragilidades, como são frágeis também os pratinhos que os equilibristas suspendem e mantêm girando no circo. Apesar do preparo, eventualmente, algum pratinho pode desabar e partir-se em mil pedaços. Passada a quebra de expectativa e a sensação de fracasso, the show must go on. Assim como na pia, para serem lavados, os pratinhos para equilibrar na vida também não se acabam, em constante reposição.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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