João Pessoa, 02 de setembro de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
Clara Velloso Borges é escritora, professora de literatura e mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]  

Aonde vamos?

Comentários: 0
publicado em 02/09/2022 às 07h00
atualizado em 01/09/2022 às 17h03

Nem sempre os grandes navegadores sabem para onde estão indo. Foi devido a uma falha de roteiro que as navegações portuguesas atracaram na Ilha de Vera Cruz e desencadearam uma sucessão de eventos que resultaram no Brasil. Após uma colonização, um genocídio indígena, séculos de escravidão, um Tratado de Tordesilhas e muita miscigenação, cá estamos nós, falando português.

Nesse sentido, a ramificação dos idiomas nascidos do latim nos faz economizar interrogações escritas em textos de língua portuguesa. Enquanto os países vizinhos, na América Latina, se questionam com o sinal de interrogação duplicado e até invertido, nós, brasileiros, nos restringimos a um único símbolo de pontuação. Não é sinal de sagacidade: ser portador de um RG brasileiro é uma delícia, mas traz muitas incertezas.

Na Ciência, quem tem uma pergunta tem uma pesquisa. Na Literatura, a pontuação é suficiente para preencher laudas. Machado de Assis dispensa o verbo no capítulo LV de Memórias Póstumas de Brás Cubas, intitulado O velho diálogo de Adão e Eva. (foto) Bastam-lhe os personagens e uma série de pontos – finais, exclamativos, interrogativos.

Segundo Alberto Manguel, no fascinante livro Uma história natural da curiosidade, o ponto de interrogação, a representação visual da curiosidade humana, chegou tarde . No Ocidente, o punctus interrogativus parece só ter surgido no fim do Renascimento, quando foi publicado um manual de pontuação para tipógrafos. A marca, que assinalava uma pergunta, requeria também uma resposta. Quão inflexível! Nem mesmo os grandes navegadores sempre sabem para onde estão indo. Entre o desconhecido e a descoberta, a pergunta nos move.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

Leia Também