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Professora Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP]. E-mail: [email protected]

O amor de antigamente

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publicado em 30/04/2021 às 07h37
atualizado em 30/04/2021 às 04h38

O amor parece sentimento comum que permeia o homem em toda vida. Todavia não o é. Constitui a mais nobre reação intrínseca ao ser, o que imprime a ele o verdadeiro sentido de humanização. Manifesta-se de várias maneiras, diversas formas e gestos, embora em cada época e lugar haja conotações diferentes. O que seria o homem desprovido do sentimento de amor? O mundo passa por rápidas transformações e evolução, com novos costumes e paradigmas implantados, fazendo que se percam as tradições. Novos parâmetros são impostos às gerações que nem se apercebem porque existe o entendimento que estejam ultrapassadas, distorcendo o verdadeiro sentido da vida. O que se percebe é que não existe mais o amor como antigamente. As pessoas sentem dificuldades de expressar o que sentem. Percebe-se o egocentrismo e a indiferença. Não vemos mais o brilho no olhar, os abraços estão cada vez mais vazios, os corações mais frios e o beijo cada vez mais seco. Onde existe o calor humano? Estas demonstrações dão-nos a impressão que não acontecem com o consentimento a dois. E o romantismo? Os relacionamentos são tão passageiros. Faz-nos crer que sumiu a essência que os movia e alimentava. Onde fica aquele sentimento tão puro e genuíno do primeiro amor, que muitos classificam de platônico? E porque ele perdura por toda uma vida e nunca se esquece? São questionamentos a que não temos respostas e existem no âmago de cada um.
Quis fazer esse preâmbulo pra poder falar de duas histórias de amor verdadeiros contadas por uma amiga, Clea Moura, que testemunhou e acompanhou de perto, pois trata-se de duas tias. A mais velha chamava-se Honorina, carinhosamente tratada na intimidade de Nola. Teve um grande amor na vida que foi seu primo, sobrinho de seu pai. Acontece que a irmã dele casou-se com outro primo e desse casamento tiveram um único filho com problemas motores que não andava nem falava e morreu muito jovem. Seu avô, com receio que se ela cassasse com o primo acontecesse a mesma coisa, apesar da filha demonstrar muito amor por ele, proibiu seu casamento. O que em Nola causou muita tristeza e desolação, pois via a impossibilidade de realizar o sonho que era acalentado desde sua adolescência. O primo, por sua vez, mandava-lhe cartas e cartões com o sentimento puro, meigo e lírico, com palavras de amor e carinho, insistindo sobre seu maior desejo de se unirem em matrimônio, disposto a enfrentar com ela as vicissitudes da vida. Dizia: “Decida Nolinha, não desista desse amor; será a nossa felicidade e realização. Estou disposto a remover todos os obstáculos”. Ao mandar-lhe sua última mensagem, despedindo-se, falou que não insistiria mais. Este cartão é guardado por Clea até hoje. A família é sabedora daquele amor imorredouro. Ele casou-se, não foi feliz. Ela não casou-se, mas nunca o esqueceu. Passado o tempo ele adoeceu e ficou muito mal. Nola, como prima, foi visitá-lo, pois as pessoas em estado grave, na época, eram tratadas em casa.
Quando ela adentrou ao quarto reinou um clima de muita emoção e comoção. As lágrimas jorravam em seu rosto e no dele também, sem que fosse dita uma palavra. Já não podia expressar-se e usou as lágrimas que transpareciam que o amor entre eles nunca deixara de existir e acompanhava-o até seu leito de morte. Em silêncio viram-se pela última vez. O silêncio nesse momento representou o sentimento mais forte do ser humano. É dizer tudo sem que fosse dito nada. Mas o não dizer nada pode ser nunca. Foi assim entre eles. Com certeza morreu feliz porque partiria para a outra vida com a certeza que seu amor nunca o esqueceu. Ela sempre repetia e toda família sabia “Joaquim Inácio foi o amor da minha vida, não casei em obediência a meu pai, mas não quis casar mais com ninguém. Quando morrer vou encontrar-me com ele’’. Já velhinha levava flores e colocava no seu túmulo. Ela falava para mim: “Amei como o amo até hoje. Minha sobrinha, o coração não envelhece, nós envelhecemos mas o coração não”.
A outra história é da tia Emília, que na intimidade da família chamava-se Mila ou Mimi. O amor de sua vida era o irmão da minha sogra Maria da Penha Bôtto Targino, Simeão Bôtto, cujo casamento o desembargador Gonçalo de Aguiar Bôtto de Meneses e o Dr. João de Brito Lima e Moura, que eram grandes amigos, tinham muito gosto e queriam muito essa união. Ele fez o curso de direito em Recife. Formado, foi trabalhar no interior do estado, na cidade de Picuí-PB, sendo o seu primeiro promotor público. Lá contraiu a doença febre tifoide vindo a falecer. Quando isto ocorreu, Mila manifestou-se: “Eu não caso mais com ninguém. Ele foi o amor de minha vida e Deus o levou”. O inusitado é que na casa de seu pai havia uma palmeira que segundo consta foi plantada por ele. Se alguém quisesse uma muda da palmeira, só ela a retirava, pois tinha receio que a palmeira viesse a morrer. Os familiares sabiam disso. Ela cultivava a palmeira como quisesse substituí-la por aquele que em sua vida foi o seu amor. Com esse gesto demonstrava o ciúme, a insegurança e o próprio egoísmo que é muito próprio do íntimo de quem ama. Constata-se que a pessoa tem necessidade de amar e sentir-se amado, expressar seu sentimento mesmo que às vezes não seja correspondido, que não foi o caso dessas histórias, pelo contrário, foram impedidas de vivenciarem e concretizarem o amor que tanto almejavam.
Em nossa contemporaneidade ainda se encontra o amor constante da obra imortal encenada por William Shakespeare (1594), aquele amor eterno do Romeu e Julieta em que, não conseguindo romper suas ligações com a sociedade, seus valores e padrões sacrificaram suas vidas. Observa-se que Nola e Mila reprimiram-se, talvez em decorrência do que acreditavam que o comportamento adotado seria o maior testemunho e prova do amor que nutriam um pelo outro. Amor puro, verdadeiro e incondicional, o de antigamente. Quem na vida não gostaria de experimentar um sentimento de amor como esse?

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