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Médico. Psicoterapeuta. Doutor em Psiquiatria e Diretor do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal da Paraíba. Contato: [email protected]

Estigmas existirão?

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publicado em 26/01/2021 às 08h11

Seria, a loucura, o produto de uma sociedade alienante, como quer a antipsiquiatria, pescando princípios em a História da Loucura? Um espaço vazio entre a razão e a “desrazão”? Razão teria, a ciência médica, ao classificá-la como doença, com causas envoltas em muitos componentes, como a genética, o meio ambiente, a sociedade e as experiências vividas? Saiamos desse pântano, porque não se encontra posição consensual, nem do ponto de vista clínico, filosófico nem científico. Vejamos, somente, o que interessa ver nesse momento: o não saber, as consequências da doença mental, e as reações sociais a ela, embalado pela redação do ENEM, sugerida como tema aos jovens candidatos.

Estigma. Estigmatizar. Interessa-me substantivo e verbo. Um, passivo, pelo lado de quem sofre. O Outro, ação e dilaceramento narcísico em quem adoece, ou convive com as circunstâncias da doença mental. O agente estigmatizador que somos todos nós. Aliás, são muitas as situações em que estigmatizamos. As doenças, então, são diversas, cujos portadores sofrem as consequências, ou do medo ( no caso do contágio); ou da ignorância em matéria pura e primitiva. Portanto, não é somente a doença mental, estigmatizante.

O pior: um desconhecimento que envolve até profissionais de saúde e, não raro, profissionais que lidam com a mente. Assim, mal compreendida, e pouco acolhida, maior é a dificuldade de quem adoece para procurar ajuda. Esse e outros motivos levam cerca de 75% dos pacientes, em países em desenvolvimento, a não receberem tratamento; como tem lembrado a OMS. Grave constatação, se considerarmos que, só a depressão, pode acometer de 6 a 9 por cento da população.

Gosto da definição de Goffman, quando diz que o estigma é como um sinal, profundamente depreciativo, para afastar de um grupo, supostamente dominante, alguém ou um conjunto de indivíduos com determinadas características, que os tornam diferentes da norma, tendo como resultado indivíduos rejeitados, discriminados e excluídos da participação em diversas áreas da sociedade.

Ao estigmatizarmos, a sociedade coloca a pessoa com doença mental num lugar de alienação e despersonalização. Rouba-lhe o respeito, a credibilidade, e lhe impõe uma espécie de despersonalização. Abalado e em conflito, o indivíduo tende a internalizar o estigma, como que acreditando e atribuindo-se todos os estereótipos negativos sobre o que ouve sobre sua doença. Exatamente como no caso de mulheres submetidas a relações abusivas. Sem auto estima, sentimentos de culpa e autorreprovação ajudam a uma solidão maior e mais distanciamento social.

Abomino. Quando lembro de Lia, profissional que faz seu trabalho de maneira esmerada, mas não acredita nele. Acha que, a todo tempo, é alvo da avaliação e julgamento de todos. Pode não ser mais, dado o tempo que sua doença está sob controle; mas, de alguma forma, perdeu-se de si mesma, no sentido de acreditar em sua própria obra. Talvez uma atitude, uma palavra seja preciso que se clame: Respeito! Para não se perder o sentido humano, que tanto perseguimos para que nunca nos falte. Estigmas, por que existem? Estigmas existirão?

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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