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Titular em Letras Clássicas, professor de Língua Latina, Literatura Latina e Literatura Grega da UFPB. Escritor, é membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

De Política e Políticos

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publicado em 17/01/2021 às 09h19
atualizado em 17/01/2021 às 12h13


O ambicioso e cínico presidente do Partido dos Trabalhistas não se importa com os meios que pode utilizar para chegar ao poder. Ainda que expurgado pelo seu partido, ele encontra meios de manipular antigos companheiros e se associa à imprensa para desacreditar o novo governante, na tentativa de forçar uma renúncia que lhe permita voltar ao governo, pois acredita ser o único que poderá consertar o país. O país, por sua vez, acompanha um crescimento da direita, pelo fato de que a população, passa a perceber que a diferença entre direita e esquerda está apenas no discurso. Os métodos e as práticas são as mesmas, porque a ambas só interessa uma coisa: estar no poder e nele continuar permanentemente.

Calma, pessoal, estou me referindo à Dinamarca, mostrada ficcionalmente na série Borgen (2010-2013), em exibição na Netflix. Para quem gosta de ação, a série é morna, mas para quem aprecia uma trama cuja verossimilhança interna – a única exigida na ficção – disputa passo a passo com a verossimilhança externa, ver-se-á, então, diante uma boa série. Borgen (denominação para o castelo que abriga, ao mesmo tempo, a sede do parlamento, do Supremo Tribunal de Justiça e o gabinete do primeiro-ministro) é, antes de tudo, uma aula de política. Da boa política e da má política. É uma série que se encontra no mesmo nível de Rita, também dinamarquesa, abordando os problemas da educação.

A má política fica por conta dos meios escusos que os políticos viciados utilizam para chegar ao poder; dos discursos retóricos, da confusão deliberada entre o público e o privado, na conivência do poder estatal com o poder financeiro, de quem recebe ordens, e assim vai.

A boa política está encarnada em Birgitte Nyborg (foto), presidente do Partido Moderado, que se vê, pela sua honestidade, simplicidade e transparência, guindada, não sem muita luta contra os homens, sempre prontos a predar uma mulher, ao cargo de primeira-ministra da Dinamarca. Mas a aula de boa política não reside no fato de que a população lhe dá uma parte desse credenciamento, ao lhe conceder aumento das cadeiras de seu partido no parlamento, através do voto. Está na maneira como ela vai aprender a tratar com políticos que a desdenham ou que a veem com condescendência, pelo fato de que ela é mulher. É de espantar que em países adiantados, com uma população mais esclarecida, a mulher ainda seja tratada dessa forma. E a série não descarta o assédio sexual, dentro ou fora da política. De qualquer forma, Birgitte Nyborg tem que lutar mais do que qualquer um para se impor e poder governar, ainda que com grande dificuldade.

Uma lição que a série nos dá através da personagem é que existe uma dignidade no trato da coisa pública que não pode ser negociada. A separação entre a coisa pública e a coisa privada é uma delas. É a base da democracia republicana. O primeiro-ministro anterior, Lars Hesselboe, líder dos Liberais, vê desabar as suas chances de continuar no cargo por causa de uma merreca de 71 mil coroas, despesas da mulher numa viagem política a Londres, pagas com o cartão corporativo… Que inveja, meu Deus!

Outra lição é que não dá para governar sem alianças, sobretudo, num regime parlamentar.

No entanto, pode haver alianças estabelecendo limites. Se um governo faz alianças indiscriminadas e não estabelece limites torna-se refém dos seus “aliados” (a inveja só aumentando…).

Antes de partir para a última lição, ouso dizer que o parlamentarismo é o que me parece o melhor sistema de governo para uma democracia. Basta um voto de desconfiança no parlamento, por causa da perda do apoio político da maioria, e o governo cai, estabelecendo-se novo gabinete. É infinitamente menos traumático, além de mais rápido e menos oneroso do ponto de vista financeiro, do que o presidencialismo atingido pelo impeachment. Já fizemos dois na história recente de nossa claudicante república. Estamos, pelo que percebo, a caminho de mais um. Enquanto não desenlaçamos esse nó, o país se esfacela. A maturidade política está longe de ter aportado no Brasil.

Como última lição, vemos que o orçamento público é coisa séria, seriíssima, diria José Dias, que pode determinar a queda de uma primeira-ministra ou primeiro-ministro. Há uma responsabilidade enorme em se aplicar bem os recursos públicos, pois governo não gera recursos, governo toma recursos através de impostos. Dinheiro que pertence ao povo e que deve retornar a ele, contribuindo para o bem-estar coletivo. Ainda, também, não aprendemos isto, achando que governo tem dinheiro e que ele dá dinheiro, quando institui um benefício social. Como se trata de algo de extrema seriedade, o orçamento tem que ser transparente e, sobretudo, deve beneficiar a população, em larga escala, a quem o dinheiro pertence. A Dinamarca, por exemplo, apesar de um futebol de nível – há alguns anos chegou a encantar o público em uma Copa do Mundo, sendo chamada de “Dinamáquina” –, jamais empregaria dinheiro público em estádios inúteis ou sediaria eventos dispendiosos, tendo a necessidade de construir e dar infraestrutura a hospitais e escolas. A população de Manaus, infelizmente, está percebendo isso da pior maneira possível.

Uma população com acesso à educação e à saúde é a mais apta a escolher seus representantes e, quando eles não correspondem, é também a mais apta a fazê-los correr, por meio do voto, para que eles não se reelejam. Se a democracia é o pior dos regimes políticos, excetuados todos os outros, ela também não existe para que escolhamos, necessariamente, os melhores, mas para evitar que os piores se perpetuem no poder.

Não dá para ser igual à Dinamarca, como muitos querem que a nossa educação seja igual à finlandesa. Mas dá para aprender com eles, ainda que a ficção seja o nosso norte.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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