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Professora Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP]. E-mail: [email protected]

Desafios e lições da pandemia

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publicado em 30/06/2020 às 15h26
atualizado em 30/06/2020 às 12h37

A vida é feita de momentos e eles são únicos. Cada momento tem suas peculiaridades e cada um nos deixa legados que nos seguem por toda vida. A pandemia do COVID-19 impactou de forma crítica a rotina dos brasileiros. O medo da morte. As decisões tomadas por governos e políticos moldaram o mundo; a saúde, a economia, a política a cultura etc. “Os que sobreviverem experimentarão um mundo diferente”! Palavras do historiador Yuval Harari, autor do best sellers “Sapiens: Uma breve história sobre a humanidade” (2015). No contexto atípico em que se vive todos os segmentos da sociedade são atingidos. Na economia, as taxas de juros em queda. Nas bolsas de valores as ações sofrem um sobe e desce gerando insegurança. Os sistemas escolares suspensos afetam os estudantes, principalmente os mais pobres, jovens e aqueles portadores de deficiência, dificultando o acesso à educação, agravado pela pandemia. Dados da UNESCO (23/06/2020) apontam que 260 milhões da população estudantil mundial é afetada. Os que têm recursos continuam a estudar usando computadores portáteis, celulares, a internet etc. Tal situação prejudica os alunos, atrasa o desenvolvimento dos seus planos e de seus sonhos.

A diretora-Geral da Unesco, Audrey Azulay disse: “As lições do passado – como o ebola – mostram que os estudantes mais carentes nunca voltaram à escola”. Na Itália, uma escola da região da Lombardia, a International School of Monza, investiu na educação por meio da tecnologia (“e-tech”), o que possibilitou em 24 horas transformar-se em escola virtual de alto padrão, pois os docentes encontravam-se capacitados para operar on-line de forma integrada com alunos com ótimo acesso à internet e a um MacBook. Há 1,5 bilhão de estudantes fora da escola. O Brasil vem fazendo o mesmo que outros países, ou seja, combinando estratégias – aulas on-line e teleaulas, usando redes como a TV Justiça, além de cadernos de atividades enviados para as casas. Ainda existe a possibilidade de ampliação e melhoria do ensino remoto, uma vez que 86% dos jovens e adolescentes estão conectados à web. A problemática é mais grave nos países pobres, como os da África.

O esporte foi atingido em várias modalidades. Campeonatos suspensos e interrompidos, atletas ficaram sem contrato e sem   vínculo com os clubes. Outro setor que sofreu foi o turismo. Basta dizer que gera 10% do PIB da União Europeia (UE) e 27 milhões de empregos: é um dos principais setores da economia do continente. A Organização Mundial do Turismo (OMT) estimou a queda de turistas de 60 a 80%. Durante o ano 2020 calcula que o setor já perdeu US$80 bilhões nos três primeiros meses do ano, com um impacto gigantesco para a economia. A Associação Brasileira da Industria Hoteleira (ABIH) fez um levantamento e confirma que 95% dos hotéis associados estão fechados no Brasil. Foi a área mais afetada no mundo. Constata-se na rede hoteleira de metrópoles como São Paulo e Las Vegas que há muito tempo só vivem de megaeventos corporativos. Até mesmo aqui na Paraíba os hotéis da orla estão quase todos fechados, inclusive o velho Hotel Tambaú, que em outras épocas era orgulho dos paraibanos. O setor aéreo é um dos mais comprometidos com essa crise englobando outros serviços como agencias de turismo, empresas de alimentação e catering, comissariado e os próprios fabricantes das aeronaves que tiveram suspensas as encomendas. A Associação Internacional de Transporte teve prejuízo de US$84 bilhões este ano marcado como o pior da história da viação. Segundo o World Travel and Tourism Council – WTTC (Conselho Mundial de Viagens e Turismo) estão em risco 50 milhões de empregos associados ao setor, no mundo. Não há previsão de retomada antes de um ano. As companhias aéreas lutam contra um inimigo imponderável: o medo das pessoas. Apesar delas terem se adequado aos novos padrões internacionais de vigilância sanitária, isto está acontecendo. Existe o receio dos sujeitos estarem em ambientes confinados, climatizados artificialmente, sejam aviões, trens ou navios

Diante de toda a crise, o mercado de e-commerce no Brasil vem crescendo e o país se consolida como um dos mais desenvolvidos em relação ao comercio eletrônico mundial. Ocupa a 10ª posição no ranking de acordo com o Business o que impulsiona a economia do agronegócio, responsável pelo aumento do PIB do país em 2019, chegando a 21% da produção nacional. De acordo com a Confederação Nacional da Agricultura o Brasil se tornaria o maior exportador de alimentos do planeta.

Eugenio Singer, presidente da Ramboll no Brasil, falando dos impactos e sobre questões sociais, ambientais e econômicas avalia: “A covid fez pelo meio ambiente o que as 25 COPs (Conferência das Partes da convenção das Nações Unidas sobre mudança climática) não fizeram” (2020). Ainda afirma que estudos de agências espaciais mostram claramente a redução dos níveis de dióxido de nitrogênio. Com menor tráfego marítimo, a qualidade da água melhorou e os peixes voltaram. No comportamento social, há avanços, como demonstração de solidariedade, maior convívio em família e conscientização sobre a importância de hábitos de higiene. O mesmo especialista aponta outros ganhos, além dos ambientais, como a utilização de plataformas digitais, que transformaram as reuniões laborais.

Foram constatados diversos aspectos na problemática desse contexto: politização do tema, remédios milagrosos, desinformação e censura; falta de estrutura hospitalar do sistema de saúde para atender a demanda e a excessiva dependência global da oferta de equipamentos e insumos farmacêuticos ativos (IFAs) de alguns poucos países, como China, Índia e Coreia do Sul. Houve uma verdadeira “guerra comercial” para a compra de ventiladores pulmonares, insumos e equipamentos de proteção individual; as empresas que possuíam planejamento, flexibilidade e tecnologia estão saindo-se melhor e com desenvoltura para implantar o regime Home Office que adaptou-se e se superou rapidamente; o planeta todo ficou em casa, independentemente de idade, raça, sexo, instrução, religião, profissão, poder econômico ou visão política, classe  social; nos demos conta da existência do outro e que se está no mesmo barco na luta contra o inimigo invisível e parece-nos  inglória; Predomina incertezas; as pessoas aprenderam a ser mais resilientes.

É preciso retirar ensinamentos desse momento que gera desafios, ameaças e problemas, ao mesmo tempo em que oferece oportunidades de aprendizado individual e coletivo. Vislumbram-se mudanças de atitudes, gerando saltos de qualidade nas políticas públicas, no comportamento empresarial e no relacionamento humano e social, como: Investir no autocuidado e na prevenção; lavar as mãos, usar máscaras, evitar aglomerações; Admitir o diálogo transparente e fundamentado que é o caminho da cooperação e da solidariedade; respeito pelo meio ambiente; a escola pública ou privada terá que se preparar para a Quarta Revolução Industrial e o futuro do trabalho, com a inteligência virtual substituindo a presença humana em muitos campos. Preparar o indivíduo para competências como a empatia, a persistência, o empreendedorismo – atributos que faltam aos robôs; A escola física não será só para adquirir conhecimentos e pensar criticamente mas o espaço para desenvoltura de talentos. Andreas Schleicher, diretor-geral do Departamento de Educação e Competências da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), afirma: “É um grande momento para a educação buscar soluções criativas, e os alunos poderão ser proprietários do seu aprendizado. Mudanças acontecerão a partir desta crise”; Reforçar as relações familiares entre pais e filhos na construção da própria identidade; O vírus continua a desafiar a ciência, a sociedade e seus governantes; Vários questionamentos ainda estão sem respostas: Infectados de hoje serão os imunizados de amanhã? Haverá ondas sucessivas de transmissão? Qual é a saída para tratamentos eficazes e, sobretudo, uma vacina imunizadora, apesar da ciência lutar e está por conseguir? A sensação de vulnerabilidade social continuará a crescer no mundo? E por ai vai… A economia em frangalhos?   A OMS (Organização Mundial da Saúde), em 11 de março, declarou que seu principal projeto social neste ano, na 14ª edição do Desafio de Redação, será debater As Lições da Pandemia para a Construção de um Futuro Melhor; O surgir da telemedicina que veio para ficar como ferramenta tecnológica do atendimento à distância; Nenhum avanço será automático; Há de se ter consciência sobre a importância da prevenção contra doenças que podem ser o maior legado desta pandemia; Alimentação saudável, atividades físicas, combate ao tabagismo, ao alcoolismo e às drogas, hábitos sexuais saudáveis, monitoramento permanente dos vetores de doenças crônicas (hipertensão, diabetes, entre outras). O Brasil terá como herança proporcionar a integração muito maior entre o SUS e a saúde suplementar.

Descortinamos em nossa ótica o quadro atual da humanidade frente à crise causada pelo covid-19. Cabe aos governos, Congresso Nacional e sociedade buscarem e encontrarem novos caminhos e solucionarem os problemas. Tudo ocorreu em efeito dominó e observa-se que todos acontecimentos possuem vasos comunicantes que não têm como escapar ilesos. A humanidade é única. Daí, necessariamente, há de se repensar, de reconstruir e recriar um novo viver mais humano, solidário, justo e democrático. Sou otimista. Seremos mais felizes que hoje.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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