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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Ed Porto passeando poeticamente

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publicado em 14/05/2025 ás 07h00
atualizado em 13/05/2025 ás 17h13

 

Vejo-me diante do décimo primeiro livro de poemas do campinense Ed Porto, intitulado Passeante. Substantivo que o Aurélio registra como aquele que passeia ou aquele que se dedica à vadiagem. Acrescentaria: ao ócio, à contemplação, ao caminhar, à meditação, entre outros atos ou ações que mobilizam o desejo humano.

Posso imaginar que a poesia também se prefigura como um passeio. Um passeio pela pele das palavras, pelos novelos do mundo, pela substância dos sentimentos e das emoções que os poemas podem expressar na configuração especial de sua linguagem.

É exatamente este “passeio” que Ed Porto se permite, na esfera de sua liberdade criadora, com esta nova coletânea. Nova, porém, inteiramente ajustada aos critérios estéticos que o identificam como autor, vistas as matrizes formais e perceptivas que materializam a identidade de sua poética individual, reconhecidas por alguns nomes de sua fortuna crítica.

Um Amador Ribeiro Neto, principalmente um Amador Ribeiro Neto, que prefaciou alguns de seus títulos; um Lau Siqueira, um Gilberto Lucena, um Gustavo Felicíssimo, um Astier Basílio, um Antônio Mariano, um Linaldo Guedes, uma Vitória Lima, entre outros, falam, por exemplo, de um poeta irrequieto, antiacadêmico, irônico, coloquial, sintético, atento às nuances do dia a dia e à matéria informe e inesperada do cotidiano, tanto na sua composição objetiva quanto subjetiva.

Um poeta que, a meu ver, soube e sabe caldear bem a oferta de signos e símbolos que a poesia moderna tem legado, em suas variadas vertentes, sobretudo naquela que concerne aos desvios radicais e à ruptura técnica face aos modelos estratificados da tradição literária.  Se me debruço sobre as páginas de Anônimo (2003), seu livro de estreia, passando por alguns títulos como Aria literária (2006), Mosaico (2009), Tex-mix  (2013), Múltiplos (2016), Poema azul (2022), até este Passeante, observo, sem quase nenhuma modificação, a mesma unidade de tom e perspectiva a consumar a arquitetura do verso.

Diria, portanto, que em vinte anos de lavor poético, Ed Porto vem elaborando uma dicção lírica calcada numa metodologia própria, demarcada, principalmente, pelo olhar sensível sobre a urgência das coisas essenciais, dos fenômenos concretos, das vivências instantâneas, expectativas, conflitos e angústias do homem, no seu corpo a corpo com a vida. O trivial e o antipoético, traço sempre recorrente na geografia de suas motivações, também integram a tessitura verbal de muitos poemas, a caracterizar o viés de uma retórica comprometida com o factual, o presente, o aqui e agora.

Leia-se, nesta clave, um texto como “Carpe diem”, que traz versos como estes: “Day by day tenho aprendido ∕ que o dia de hoje é tudo ∕ e não há mais tempo de errar”. Ou mesmo poemas da linhagem de “A casa”, “Cíclico”, “Esses”, “Zarabatana”, “Colágeno”, “Nobre ócio” e “Ziguezira”.

A indignação política e social reaparece num poema como “Nação”, onde me deparo com a eloquência destes versos: “Temos um bocado de coisas que não existem ∕ do outro lado: rimas, sonhos e selvas ∕ festas, santos e velas e a fé de que um dia ∕ seremos iguais, sem os desertos que nos ∕ separam”. A reflexão metalinguística volta num poema como “Quiçá”, sobretudo nos versos “Quer riscar uns versos? Mude o trajeto ∕ e veja mais de perto outros movimentos”. O tom aforismático e de sabor filosófico é retomado em “Sinergia”, quando a voz poética enuncia que louva “a troca que é da vida” e que “fazer o bem é bom”.

Se existe algo que se acentua na poesia de Ed Porto, com a publicação de mais este volume, parece ser certa postura cética, mas de um ceticismo sereno, maduro, quase complacente para com certas frivolidades e mesquinharias da existência. Neste sentido, sua poesia como que vem consolidar, a par das ingerências lúdicas e do esforço às vezes previsível da desclicherização vocabular, certa tonalidade meditativa que lhe confere, a seu turno, solidez e autonomia. Quer na ordem do pensamento poético, quer na natureza da forma artística.

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