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O haicai é, por excelência, uma forma poética medular. Um terceto, distribuído em dois versos de cinco sílabas e um de sete, o do meio, no seu paradigma tradicional. A rima, quando há, pode ser interna, toante, comum, consoante ou rara. Talvez não importe tanto, a não ser para ajudar a cadência do ritmo, o sabor musical que, não raro, pode presidir a síntese semântica que lhe é peculiar.
O bom do haicai, no seu minimalismo expressivo, é o flash, o insight, o flagrante, o clique, o olho verbal, como se fora uma “câmera clara”, atentos à ordem e ao desconcerto das coisas de um sol solto no espaço da vida, senhor, no entanto, de seus velhos mistérios.
Quem escreve haicai escreve o mínimo e diz tanto! Parece até que os fenômenos sensíveis cabem no território impossível das palavras. Parece até que as palavras adquirem um fulgor especial quando se comprimem no limite estreito e, vezes, perfeito, de sua sugestão significativa.
A Paraíba tem seus haicaiístas, desde o pioneiro esforço de Eduardo Martins, ainda nos anos 40 do século passado, atraído pelo desafio do modelo nipônico, sobretudo, quando esse modelo se prende aos requisitos da natureza: a paisagem, os bichos, a lua, o céu, as árvores, a água, a terra, o fogo, o ar e a tantos elementos que compõem a vida natural, orgânica e inorgânica, real e imaginária.
Fransued do Vale, Saulo Mendonça Marques, Vera Medeiros, Otávio Sitônio Pinto, Valéria Rezende, Lizziane Azevedo, Paulo Sérgio Vieira e José Edmilson Rodrigues, entre outros, ativam e reforçam esse curioso viés da tradição poética, abrindo, assim, clareiras para a reflexão da palavra crítica.
Leio Dueto de manhãs, de José Edmilson Rodrigues, publicado pela Mondrongo (2022), com prefácio do professor Milton Marques Júnior, e sinto o vigor da nota lírica demarcando a posição de alguns textos, ao mesmo tempo em que percebo o gosto plural da temática a oscilar entre o simples registro de um acidente natural de teor descritivo e o timbre aforismático de algumas peças meditativas, ou mesmo a componente erótica, metalinguística, social, elegíaca, distendendo o fluxo da matéria poética.
“O falar das aves. ∕ Voz de poeta cantando: ∕ concertos suaves”, eis o haicai da página 17, cruzando os fios da natureza e da linguagem, numa descrição de visíveis efeitos estéticos que estimulam, pela sugestão da imagem, o pensamento e a imaginação do leitor. À página 18, o texto que se reproduz na contracapa, em seu tom digressivo, quase como um corte de sentidos próprio da máxima ou do brocardo: “Ninguém é mais sábia ∕ do que a natureza mãe, ∕ parindo manhãs”. E à página 28, este típico haicai enraizado na vertente ecológica e metafísica da mais lídima origem: “Você, flor da tarde, ∕ que emerge para o ar chuvoso: ∕ incensando o tempo”.
Comungo do pensamento do professor Milton Marques Júnior, ao destacar a natureza como o ingrediente “forte da poesia de José Edmilson Rodrigues”. Até porque a natureza, e seus componentes, e seus sinais, e seus símbolos, e suas sugestões, parece-me o ponto seminal de estruturação temática do haicai, o seu dado primevo, a sua condição primordial, predisposta a, partindo-se da ocorrência emocional, no plano humano, converter-se em forma estética.
Vejo o mesmo caminho sendo perseguido por Paulo Sérgio Vieira, em A arte de contar estrelas, ilustrado por Waldisney Pereira da Silva, em edição da Ideia, também de 2022.
Paulo não é um estreante, como José Edmilson Rodrigues, no universo lacônico, porém, eloquente, do haicai, embora, nessa coletânea, invista num dado novo, isto é, o circuito recepcional, pois, a princípio, o livro destina-se ao público infantil e infanto-juvenil. Mas também, diria, a qualquer tipo de leitor, leitor dos 9 aos 90, uma vez que a experiência estética não tem idade.
À beleza e à pertinência do título, com sua rica malha de possibilidades significantes, corresponde, em sua grande maioria, a textura das palavras organizadas em cada haicai, sobremodo se levarmos em conta o equilíbrio entre forma e fundo, próprio do modelo e natural a qualquer espécie poética que se preze.
Entre tantos outros, o haicai de abertura da coletânea me parece um daqueles raros achados, a ostentar o vigor de um talento talhado para o menos, o menos que é mais, se pensarmos na ordem de sugestão estética que o texto oferta, em sua intrínseca abertura enquanto obra de arte. Vejamos:
Pra ter sem prendê-las
só aprendendo a arte
de contar estrelas.
O que não seria a poesia, entre tantas outras coisas da hierarquia natural, sagrada e profana, senão essa arte de contar estrelas! Arte de narrar, descrever e refletir, tomado, lírica e filosoficamente, pelo impacto do espanto que move, por dentro, as doces garras do olhar poético.
Paulo Sérgio Vieira, já moldado no desenvolvimento de sua poética individual, sempre afeito ao minimalismo artístico, sabe isso como poucos. E isso divide com a carência imaginária e sensível de seus leitores, em títulos como: Cílios de Deus, Diálogo das horas, Plumagem do vento e Soletrar de sombras.
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MOBILIDADE URBANA - 30/04/2025