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Educador Físico,  Psicólogo e Advogado. Especialista em Criminologia e Psicologia Criminal Investigativa. Agente Especial da Polícia Federal Brasileira (aposentado). Sócio da ABEAD - Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas e do IBRASJUS - Instituto Brasileiro de Justiça e Cidadania. É ex-presidente da Comissão de Políticas de Segurança e Drogas da OAB/PB, e do Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas do município de João Pessoa/PB. Também coordenou por vários anos no estado da Paraiba, o programa educativo "Maçonaria a favor da Vida". É ex-colunista da rádio CBN João Pessoa e autor dos livros: Drogas- Família e Escola, a Informação como Prevenção; Drogas- Problema Meu e Seu e Drogas - onde e como lidar com o problema?. Já proferiu centenas de conferências e cursos, e publicou dezenas de artigos em revistas e livros especializados sobre os temas já citados.

A mídia influencia as violências?

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publicado em 05/03/2024 às 07h00
atualizado em 04/03/2024 às 17h50

 

Em relação ao fato de ser a mídia, de maneira geral, formadora de opinião, não há dúvidas. Todos os estudiosos deste tema concordam que há sim, influência desta sobre o comportamento humano. Se fizermos uma análise fria, veremos, por exemplo, que toda a indústria da propaganda se baseia na nossa tendência de imitar o que vemos no televisor ou similares. Pessoas que gostam de refrigerante podem decidir comprar uma coca-cola após assistir uma propaganda. E pessoas suscetíveis à criminalidade podem se matar ou cometer crimes e agressões após serem expostos a certos conteúdos divuldados na mídia, afirmam muitos especialistas no aludido tema.

É certo que há divergências de opinião sobre essa questão. Mas, faço a seguinte indagação a você que agora lê este escrito: na sua opinião, conteúdos violentos expostos na mídia contribuem para o surgimento ou aumento dos comportamentos agressivos e violentos?

Dados colhidos por seis grandes associações médicas dos Estados Unidos concluíram que “existe uma esmagadora conexão causal entre violência na mídia e comportamento agressivo em algumas crianças e adolescentes”. E, acrescentam que, tais efeitos não se restringem apenas a esta faixa etária, mas também aos adultos.

Alguns autores de trabalhos literários relacionados à este tema, dão como exemplos dessa correlação, a publicação do romance Werther, de Goethe, no século 19, na qual um jovem apaixonado e não-correspondido se mata. A publicação levou a uma onda de suicídios na Europa que ficou conhecida como “efeito Werther”. Portanto, desde então, quase ninguém mais duvida que a exposição de suicídios na mídia contribui para incentivar pessoas suscetíveis, a também se suicidarem. Tal fato, levou a Organização Mundial de Saúde, OMS, a lançar a publicação, “Prevenção do Suicídio: um Manual para Profissionais da Mídia”, que contém orientações desestimulando a divulgação destes eventos (suicídios).

A violência não é uma invenção do homem moderno, essa sempre existiu, e perpassa a configuração das sociedades desde as mais antigas até às contemporâneas.  Também é salutar admitir que os atos de violências são fenômenos complexos que têm diversas causas, dentre as quais o ambiente familiar agressivo, as desigualdades sociais, os valores culturais vivenciados pelo indivíduo, o funcionamento precário e, por vezes, injusto do poder judiciário, e até mesmo condicionamentos biológicos. E também, não se pode ignorar o efeito da massa de conteúdos violentos presentes nos meios de comunicação e nas redes sociais.

Dentre as possíveis consequências desta exposição da sociedade a conteúdos violentos expostos na mídia, alguns especialistas enumeram pelo menos três efeitos potencialmente nocivos: pessoas aprendem e muitas tendem a reproduzir atitudes e comportamentos agressivos; tornam-se insensíveis à gravidade da violência (desumanização) e sentem medo exagerado de serem vítimas de violência no mundo real.

Esses efeitos, naturalmente, não são uniformes para todas as pessoas, e a relação entre ver a violência na mídia e o comportamento subsequente depende tanto dos fatores já citados anteriormente, quanto da natureza do que é mostrado, e de como tal conteúdo é apresentado. Sendo importante destacar este último aspecto, pois, a forma como a violência é divulgada tem grande importância. Os atos violentos quando mostrados extensivamente e repetidamente, promovem a já citada dessensibilização dos espectadores. Ademais, se tal divulgação é feita de forma glamourizada, como por vezes acontece, e sem a devida advertência das consequências de tais atos, estes passam a ser vistos como fatos normais do cotidiano, em que as agressões e violências podem ser interpretadas como alternativas socialmente aceitáveis.

É comum na imprensa nacional, as notícias de fatos violentos, serem transmitidas por alguns repórteres, com a mesma entonação daquela utilizada na transmissão de um gol no futebol. Tal atitude, ajuda a minimizar no telespectador ou ouvinte a noção da gravidade do ato criminoso.

É importante acrescentar, que o modus operandi da mídia varia de acordo com o país. Na maior parte da Europa, por exemplo, é impensável a exposição de imagens de extrema violência sem uma justificativa de interesse público e cuidados com o horário de divulgação. Coincidência ou não, muitos estudos têm demonstrado que em países onde a mídia é mais cuidadosa na exposição da violência há menos homicídios. Toda a Europa ocidental conta menos de dois homicídios por grupo de 100 mil habitantes. Na Austrália e Canadá, onde também há um cuidado e controle em relação às citadas divulgações violentas, os índices são 0,8 e 1,8 respectivamente. Já nos EUA, onde tal controle é menor, o referido índice é de 5,3 homicídios por 100 mil habitantes. Valendo acrescentar que EUA e Canadá, são dois países ricos, e em ambos a posse de armas é amplamente disseminada.

O movimento “Iniciativa Paz na Mídia”, idealizado pelo jornalista e mestre em Ciências Políticas, Roger Ferreira, analisou mais de duzentas mil matérias veiculadas pelos quatro principais telejornais nacionais (Jornal Nacional, Jornal do SBT, Jornal da Band e Jornal da Record), entre novembro de 2013 e março de 2022, e constatou que 54% do tempo dos mesmos foi dedicado a assuntos negativos. A violência foi mostrada em 17% do tempo. Já assuntos positivos ocuparam 18%, ou seja, os assuntos violentos e negativos juntos somaram 71% do tempo dos referidos telejornais.

Como bem acrescenta o citado jornalista, “…não se trata, obviamente, de ignorar os graves problemas de segurança que existem no Brasil. Mas é inescapável concluir que predomina na imprensa brasileira, a prática do sensacionalismo para atrair audiência mobilizando o viés negativo, um de nossos condicionamentos humanos mais profundos”.

É evidente que não cabe atribuir à imprensa a responsabilidade de conter a violência, o uso indevido de drogas e outros males. Entretanto, isso não isenta os meios de comunicação de cumprirem sua função social em prol do bem comum. Não há sociedade democrática sem imprensa livre, mas, a exposição despropositada de cenas de violência durante todo o dia, como tem acontecido na mídia brasileira, precisa ser repensada. A adoção de padrões éticos e de uma autorregulação mais efetiva e transparente por parte desta se faz necessário, uma vez que a promoção de uma sociedade mais humana, justa e menos violenta é missão de todos os segmentos sociais, inclusive da imprensa.

 

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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