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Espaço K: Helder Moura fala de carreira, pressões, livros e desafios no jornalismo

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publicado em 04/09/2023 às 12h31
atualizado em 06/09/2023 às 07h23

Kubitschek Pinheiro/MaisPB

O conflito que o jornalista Helder Moura provoca é imenso, o imenso Helder Moura. Conflito porque ele não se deixa se enganar no jogo das palavras, sem medo delas, muito embora as palavras tenham seus pesos e medidas. Helder Moura se arma de conteúdo e não perde uma.

Como jornalista ele percebe que os homens devem mais respeito a si mesmo, principalmente os políticos, que vivem suas leis de deuses fajutos, às claras, como se nada estivesse acontecendo.

HM foca no alvo e dispara uns, outros, os que virão, enganadores do povo, que se permite criar uma ligação de intimidade com tal candidato, que só bate na porta do eleitor de 4 em quatro anos e ninguém consegue esconder a cara de tacho, enquanto o povo goza com migalhas.

Como um macedônio, Helder Moura pode não ser assim tão admirável, mas corresponde a uma sequência de afirmações que mete medo em quem tem “culpa no cartório”. Então, no ritual da velocidade da notícia, ele tem a consciência e dá conta recado, ou seja, o jornalista cresceu como escritor e já tem livros lançados em outras línguas. E vem mais por aí.

É autor dos livros “Coração de Cedro” (poesias), “O Incrível Testamento de Dom Agápito” (romance), que está em 4ª edição, e foi traduzido para inglês, italiano e espanhol, além do livro de contos “Inventário das Pequenas Coisas”.

A novidade é a  chegada do “A Discreta Arqueologia da Noite”, que ele avisa logo: “são quasipoemas” –  e arremata: “um conjunto de noturnos, que traz um apanhado dessas inquietações existenciais, refletidas em palavras cruas”.

Helder Moura conversou com  Espaço K, do MaisPB, sem papa na língua. Só não nos alongamos mais, para usar a terminologia kantiana, porque o homem não é nada além daquilo que a educação faz dele, aproveitem, se divirtam com Helder Moura.  Próxima segunda-feira conversaremos com o jornalista Petrônio Souto.

MaisPB  – Sabemos que o jornalista, dificilmente é um bom escritor. Como você consegue escrever bons livros?

Helder Moura – Bem, não acho que seja uma regra. Não é fazendo comparação, obviamente, porque não há como comparar, mas dois dos maiores escritores latinoamericanos, das últimas décadas, Gabriel Garcia Marquez e Mário Vargas Llosa eram também jornalistas. “Relato de um náufrago”, de Gabo, publicado em capítulos em jornal, mostra esse viés jornalístico dele. “Tia Júlia e o Escrevinhador”, de Llosa, traz relatos de sua experiência como jornalista, enquanto aspirava a ser escritor. No meu caso, a militância no jornalismo impresso considero como parte de minha formação como escritor. Mas, sou inseguro quanto a assumir ter escrito bons livros…

MaisPB – “Dom Agapito” já tem onze anos de lançado e em outras línguas. Vamos falar dessa obra, que conquistou inúmeros leitores?

Helder Moura  – Dom Agápito foi uma surpresa para mim. Eu havia saído do Correio da Paraíba e, imediatamente, contratado pela TV Cabo Branco. Mas, passei quatro meses sem escrever ou ter participação em programas. Nesse período, resolvi escrever uma história que estava em minha mente, desde a primeira viagem a Óbidos, em Portugal. Então, posso dizer que tive sorte de iniciante. Após seu lançamento em João Pessoa, o livro foi apresentado em Óbidos, e teve uma boa cobertura da mídia portuguesa. Com isso, o livro começou a vender muito. O problema foi que a editora Chiado não tinha, à época, sucursal no Brasil, então celebrei contrato com a editora Miró, e o livro passou a ser distribuído em todo o País. Hoje, está na quarta edição, e deverá sair a quinta, talvez ainda este ano. Paralelamente, o livro terminou traduzido para inglês, italiano e espanhol. Tive também a sorte de participar de várias feiras internacionais, como Frankfurt, Paris, Lisboa, e também de eventos de lançamentos, não apenas em várias cidades do Brasil, em Santiago, Mendoza, México, Nova Iorque, Milão, Bérgamo, Porto, Oslo… E está saindo a tradução em francês.

MaisPB  – Já está pronto o novo livro? Poderia nos adiantar sobre essa obra, teria sido produzida na pandemia. Quando será lançada?

Helder Moura  – Depois de Dom Agápito, lancei um livro de contos “Inventário das pequenas coisas”, um de ensaio, “Princípio da diversidade e outros anarquismos” e ainda “Veredas da melancolia na criação literária”, que é resultado da minha dissertação de mestrado. Em breve, estarei lançando, realmente, um livro do que considero quasipoemas, que é “A discreta arqueologia da noite”. É um conjunto de noturnos, que traz um apanhado dessas inquietações existenciais, refletidas em palavras cruas, algumas vezes dolorosas, outras vezes, uma súplica. É um livro de militância da insônia.

MaisPB  – Aliás, você sempre foi um jornalista político destemido, mas nunca usou de uma linguagem rasteira para detonar os personagens que morrem vivos. Ainda hoje você não tem pena desses personagens, que ocuparam cadeiras no Palácio, e um deles é o ex-tudo Ricardo Coutinho, que dizem será candidato a vereador. Podemos falar sobre isso?

 Helder Moura  – Sempre tive problemas com personagens autoritários. Pela forma como externo minhas críticas. No caso de Ricardo Coutinho, o detalhe é que ele me processou de forma industrial. As muitas ações foram principalmente pelas denúncias, que terminaram confirmadas pelo Gaeco com a Operação Calvário, e as ações relativas ao crime de Bruno Ernesto. Dezenas de processos. Além, obviamente, das pressões que ele teria exercido, conforme registros da mídia, direta e indiretamente, pelo meu afastamento de empresas de comunicação, e o caso mais notório, amplamente divulgado, foi o caso do Sistema Correio. Mas, vida que segue. Ele encontrou seu destino. Eu, procuro seguir o meu.

MaisPB  – Você coleciona inimigos, mesmo ocultos ou declarados, por conta da sua profissão?

Helder Moura – Certamente não agrado a determinadas pessoas. Meu jeito franco de dizer o que penso muitas vezes fere suscetibilidades, especialmente entre autoridades melindradas com certas verdades. Mas, considero como efeito colateral inevitável, sobretudo por conta da minha longa militância no jornalismo político crítico. Mas, sempre tento mostrar que nada do que escrevo é pessoal.

MaisPB  – Você se destaca entre aqueles que ao deixarem o impresso, construíram seu espaço da Internet. Tem funcionado bem? Os fins ainda justificam os meios?

Helder Moura  – A migração para a Internet foi meio que natural, após o estrangulamento do mercado das empresas convencionais. Posso dizer que, tanto com um Blog, quanto com alguns podcasts, tenho tido a oportunidade de seguir externando meu pensamento, sem muitas amarras. Há um sentimento maior de liberdade que esses espaços propiciam.

MaisPB  – Outra coisa, você não enche o saco dos outros enviando matérias e mais textos pelo zap. São critérios do profissional Helder Moura?

Helder Moura  – Depois de um certo tempo, percebi que o zap se tornou uma espécie de terra de ninguém, onde cabe tudo, inclusive inverdades, ofensas e intrigas. É uma guerra diária quase insana pra disputar espaço, que, muitas vezes, extrapola certos limites. Então, orientei ao pessoal do Blog, que é praticamente terceirizado, para repercutir apenas em redes sociais mais expostas, que exigem mais responsabilidade de postagens, como Facebook e o Twitter, hoje o X. Suponho que dão mais um timbre de responsabilidade e profissionalismo.

MaisPB  – A propósito Mino Carta em recente entrevista,  disse que o jornalista hoje em dia se parece com mariposa andando em volta da lâmpada – ou seja, focado só nesse balé e não enxerga outra coisa senão a notícia banalizada. Basta observar que tal notícia é replicada mil vezes nos blogs, concorda?

Helder Moura  – Impossível não concordar. O fato é que, com o advento das novas mídias, houve uma corrida de muita gente para essa recente fronteira da comunicação, muitas dessas pessoas sequer são jornalistas, então, se de um lado, a qualidade caiu muito, de outro veio essa história da replicação de conteúdos, por falta mesmo de competência. Os chamados relises, que são replicados ao infinito. São poucos os espaços que realmente produzem conteúdo genuíno. O mais é mariposa mesmo.

MaisPB– Mino diz também que o Brasil nunca teve democracia – olhando bem ele tem razão, somos diabinhos governados por uma cambada de parvos malditos e um poder nas mãos de poucos – quase todos corruptos – e são muitos, isso antes da colonização, do golpe de 1964 e até hoje – tantos séculos de escravidão e desigualdades, né?

Helder Moura  – É possível que o Brasil nunca tenha experimentado uma democracia, como aquela que almejamos, utopias que sonhamos com nossas leituras apaixonadas dos gregos. Se pensarmos no Brasil das últimas décadas que, de alguma forma, testemunhamos, vamos ter o período da ditadura militar, suprimindo de uma geração a possibilidade conhecer de fato uma democracia. Depois, veio o penoso processo de redemocratização, sem que tenhamos chegado nunca ao ideal democrático. Talvez até em função de um certo revanchismo dos que sofreram na pele os efeitos da ditadura e, hoje, estão no poder. É possível. Não creio que, nas próximas duas décadas, tenhamos alcançado esse ideal mínimo de democracia. No meu caso, que detesto qualquer forma de poder, de opressão, ainda mais. E o mundo, hoje, está pendulando, não entre direita e esquerda, que se tornou um debate pobre e raivoso. O mundo oscila entre democracia e autoritarismo. O Brasil tem flertado com o autoritarismo, infelizmente. Tomara que sejamos capazes de escolher outro caminho. O das liberdades, da democracia.

MaisPB  – Foi bom ter chegado a Academia Paraibana de Letras? Você tem contribuído para que a APL tenha melhor performance na comunidade cultural?

Helder Moura  – Tenho muito orgulho de fazer parte da Academia Paraibana de Letras, e creio ter chegado à APL um tanto catapultado pelo movimento da Confraria Sol das Letras, que surgiu como uma militância em defesa da literatura paraibana. Hoje, sou consciente de minhas responsabilidades como integrante da APL, não apenas com esse sentido tão celebrado de imortalidade, mas como um ator que precisa exercitar diuturnamente sua prática literária como condição de cidadania, como agente que busca interpretar a identidade de sua gente.

MaisPB – Como acadêmico, você não acha que deveria haver mais critérios para uma pessoa se tornar imortal ou é assim mesmo, com o tempo todo mundo vai chegando e onde “come um,  comem dez”. E se o acadêmico não for do mundo livresco?

Helder Moura  – Estou entre os que defendem certos critérios mínimos para ingresso na academia, como boa produção literária, militância nas letras, e, enfim, um envolvimento com a causa da literatura.

MaisPB  – O Brasil parece à deriva – há muito tempo. Como você se posiciona entre os “petralhas” e o bolsonaristas?

Helder Moura  – Quando defendi os postulados do anarquismo, em meu livro “Princípio da diversidade”, algumas pessoas torceram o nariz. Eu até entendo. A palavra anarquia foi demonizada, ao longo dos anos, por interesse, tanto da extrema direita, quanto da extrema esquerda, exatamente porque o anarquismo defende o desempoderamento de quem tem muito poder. Os extremos, sabemos bem, têm essa genética autoritária. Na minha compreensão, a anarquia, diferente da associação que tentam fazer ao vandalismo e à bagunça, é na verdade uma expressão de democracia extrema, onde o indivíduo tem cada vez mais poder sobre seu próprio destino, onde se busca enfrentar o poder supremo, e poder, neste caso, sempre é sinônimo de opressão. E, finalmente, onde a palavra solidariedade, um dos sentimentos mais antigos e nobres do humano, faz sentido.

MaisPB  – Você disse que a escritora Ângela Bezerra de Castro, é a representação maior da cultura paraibana, no cenário nacional. Poderia repetir isso ao seu modo?

Helder Moura  – Tenho a professora Ângela Bezerra como ícone de nossa intelectualidade. Sua militância literária cruzou as fronteiras da Paraíba, e se expressa em seus vários trabalhos, que se tornaram leitura obrigatória por todos quantos precisam compreender esse fenômeno literário paraibano. Ângela foi uma pessoa perseguida pela ditadura militar, mas, afortunadamente, não traz ranço das atrocidades que sofreu. E, por fim, tem sido incansável na defesa da mulher na literatura, ela própria a primeira presidente da Academia Paraibana de Letras. Impossível não se seduzir com sua obra.

MaisPB  – Me parece que você tem uma récua de filhos de vários casamentos. Como é sua relação com eles, acompanha o desenvolvimento?

Helder Moura – Tenho procurado manter o mais discretamente possível a minha vida particular. Até para preservar os que me cercam. Mas, posso dizer que, a cada dia, tento, dentro do possível, estar próximo de meus filhos.

MaisPB – O senhor humano é capaz de tudo – até “desejar” matar outra pessoa. Isso já se passou pela sua cabeça?

Helder Moura  – Há certos momentos, que realmente emerge esse lado sombrio, não talvez com o sentimento de querer matar, mas da busca de uma vingança minimamente tangível. Mas, também já entendi que minha natureza mais agressiva se expressa quando escrevo e falo, coisa assim. Não tenho inclinação para a violência.

MaisPB – Você acredita em Deus, no papa,  nos bispos, na Geni, nos padres cantando ao léo, freiras, pais e mães de santo escambau?

Helder Moura – Costumo responder a esta questão com uma indagação. Quando escrevi “Princípio da diversidade”, dediquei um capítulo inteiro a esse tema. De qual Deus você está falando? Assim, eu poderia responder perguntando. Porque, mesmo dentro do cristianianismo, há um Deus do velho testamento, severo e vingativo, e há um outro Deus, no novo testamento, que é de perdão e tolerância. E há o Alá dos mulçumanos, os deuses do hinduísmo. Qual deles então? No entanto, posso dizer que, se observarmos a complexidade do universo, haverá uma inevitável perplexidade diante da precisão das leis da Física, das peculiaridades da matéria, das minudentes particularidades dos seres vivos, que só podem existir porque são assim, então fica difícil não acreditar na possibilidade de uma inteligência que urdiu essa tessitura do que conhecemos. E talvez se reflita nessa necessidade do humano sempre buscar o sagrado, mesmo nas condições mais insalubres. O divino faz parte do humano. Você pode chamar isso de religiosidade. E, como nos falta a compreensão racional e plena dessa transcendência, só resta para muitos o refúgio da fé. Mas, eu suspeito que há algo lá fora. E creio nisso.

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