João Pessoa, 17 de maio de 2025 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
cultura

“Retrato Fragmentado do Avô – Uma biografia” é lançado por neto de Graciliano Ramos

Comentários: 0
publicado em 17/05/2025 ás 12h51
atualizado em 17/05/2025 ás 13h31
Ricardo Ramos é autor do livro "Retrato Fragmentado do Avô – Uma biografia", que conta a história de Graciliano Ramos

Kubitschek Pinheiro – MaisPB

Já está nas livrarias de todo país “Retrato Fragmentado – uma biografia Graciliano”, com selo da Record de autoria do filho, Ricardo Ramos. É um retrato diferente de escritor, nunca um 3/4 em que a vida do personagem é explicitada em detalhes minuciosos e cronológicos nascimento, vida e a morte.

A história é contada de maneira fragmentada, o que não significa que esteja incompleta. Não, Graciliano está lá por inteiro, num retrato profundo, como num filme, o pai na memória do filho, também escritor e juntos se destacam nas coisas simples diante de um público desconhecidos da vida de Graciliano Ramos.

Mesmo com as biografias já lançadas do escritor alagoano, que não dão a conhecer o homem por trás da obra, do Graciliano caseiro, algo mais nesse retrato  que se multiplica, as sutilezas e complexidades, alegrias e tristezas, o dormir e o despertar, o homem e seus ramos, os filhos, e o amor Heloísa Medeiros Ramos.

Graciliano Ramos de Oliveira em 1892 e faleceu 1953 há 72 anos, foi um romancista, contista, cronista e memorialista brasileiro, considerado um dos maiores nomes da literatura brasileira, especialmente pela sua abordagem do sertão nordestino. Publicou obras como “Vidas Secas”, “São Bernardo” e “Memórias do Cárcere”. 

Em entrevista ao MaisPB, o neto Ricardo Ramos Filho, traz essa história para os brasileiros e o mundo inteiro possam conhecer o outro retrato de Graciliano Ramos.

 

MaisPB – Esplêndida a apresentação do saudoso Silviano Santiago, que abre portas para que o leitor entre na vida de seu avô, Graciliano Ramos, pelo universo da arte,  na luminosa observação da fotografia de Henri Cartier-Bresson – a comparação foi muito feliz. Vamos começar por aqui? 

 

Ricardo Ramos Filho – Silviano Santiago é um dos maiores intelectuais brasileiros. Suas leituras são privilegiadas e nos fornecem a oportunidade de, por meio dos mergulhos que faz nos textos, enriquecer a nossa compreensão. Ter Silviano Santiago no livro é um luxo que não pode ser desprezado. A obra, portanto, começa com enorme qualidade.

 

MaisPB – O livro é belo, por trazer seu pai  – e muito mais seu  avô juntos chegam até nós, que só o conhecíamos da literatura, da sua prisão, mas em ´Graciliano: retrato fragmentado – uma biografia´ seu avô está nu e só um filho conseguiria inteligentemente trazer essa imagem. Estou certo?

 

Ricardo Ramos Filho – É bem por aí. Estamos acostumados a ver Graciliano ser visitado por estudiosos, geralmente acadêmicos. Sua figura, até pela reverência que todos lhe oferecem, impõe uma distância que formaliza as percepções. Temos em ”Retrato Fragmentado” a visão do filho. Um trato muito próximo e informal. De certa forma somos apresentados a um novo Graciliano. Descontraído, bem-humorado (ou não), de pijama. Só mesmo alguém muito próximo poderia enxergá-lo por inteiro.

 

MaisPB – Sim, os livros de seu avô estão nessa obra de seu pai de uma leitura íntima e fundamental para a cultura brasileira, até para que novos leitores, os jovens, possam conheçam mais e mais sobre Graciliano Ramos, concorda?

Ricardo Ramos Filho – Sim. Principalmente pela linguagem próxima e direta usada por Ricardo Ramos. Não é um texto formal, acadêmico, empolado. Fica mais fácil conhecer o Velho Graça assim. Encontramos o famoso autor alagoano em seu ambiente, descontraído. Somos apresentados aos acontecimentos de seu cotidiano que só mesmo quem participou dele poderia revelar. Acho que a leitura da obra oferece oportunidade aos jovens de conhecer Graciliano de forma mais natural e divertida.

Ricardo Ramos, autor do livro

 

MaisPB – Afinal, porque tanto tempo e só agora você foi instigado à publicação do livro com selo da Record – esperou o tempo certo?

Ricardo Ramos  Filho – Publicar no país nem sempre obedece a lógica desejada. O livro esteve antes em duas editoras. Em nenhuma delas recebeu o tratamento editorial que merecia. Certo dia percebi, você tem razão, tardiamente, que sendo a Editora Record a casa de Graciliano, pois é a única que publica toda a obra do velho, seria mais indicado ter uma biografia de Graciliano, escrita pelo filho Ricardo, com eles. Conversei, propus e, com a delicadeza com que sempre fui tratado na casa editorial, tive a ideia aceita. E está aí edição bem-tratada que sempre desejei.

MaisPB –  Incrível o convívio do escritor paraibano José Lins do Rego, o nosso Zélins com seu avô e família, que ele o chamava de  “o maior de todos nós”. Vamos falar desse tempo e do valor maior do autor de ´Menino de Engenho?

Ricardo Ramos Filho – Zé Lins tem um papel importante na vida de Graciliano. Além de considerá-lo, com razão, um escritor extraordinário, foi, sem dúvida, seu maior amigo. Importante, também, por seu fácil trânsito com a direita getulista que dominava o país. Graças a esses relacionamentos não tão gloriosos, teve grande destaque na hora de libertá-lo da prisão. Particularmente fui incentivado a ler toda obra dele ainda menino. “Moleque Ricardo”, “Menino de Engenho”, “Doidinho” e “Banguê” figuram entre meus livros favoritos.

MaisPB – Sua avó está livro como um gigante, que deixou a dor para trás e foi em busca de tirar seu avô da prisão. Poderia falar mais dessa cena, inclusive, do rumo que seu pai e seus tios tomaram e cresceram?

Ricardo Ramos Filho – A prisão de Graciliano deixou marcas e traumas em toda família. Minha avó Heloísa, guerreira, saiu de Alagoas com duas filhas pequenas e foi tentar libertá-lo. Era difícil pois ele foi preso sem acusação formal. Não havia um processo. Ela lutou muito, falou com pessoas importantes, acabou tendo sucesso. Mas ele ficou nove meses preso. De março de 1936 a janeiro de 1937. Para os filhos foi dificílimo. Os mais velhos tentaram trabalhar, sobreviver. Meu pai ficou com o avô e com uma tia em Maceió. Era uma sociedade conservadora. Ricardo Ramos era filho de um comunista herege. Foi muito difícil para o menino. A família se estabeleceu no Rio e ele foi ficando em Maceió. O avô se afeiçoou ao neto e não queria que viajasse para ficar com o pai e a mãe. Só iria se juntar aos seus aos quatorze anos. Quando Graciliano foi preso tinha oito. Às vezes sentia-se rejeitado e abandonado. É bom lembrar que na época Alagoas era muito mais longe do Rio do que é hoje.

MaisPB – Seu avô o personagem do livro e está tudo lá, o múltiplo Graciliano – o político, o comerciante, o diretor da Imprensa Oficial, o funcionário público, o jornalista e o comunista – vamos falar sobre isso?

Ricardo Ramos Filho – Graciliano foi o que todo escritor brasileiro precisa ser: múltiplo por necessidade. Ao necessitar sobreviver o autor se multiplica, busca recursos. Escreve livros, reportagens, faz revisão, dá cursos, palestras, participa de feiras literárias. Raros conseguem viver apenas do que escrevem. E comunista, embora tenha sido preso acusado de ser, só seria mesmo ao entrar para o partido, em 1945. E não ganhou dinheiro com sua militância.

MaisPB – Como é essa história, você nasceu um ano depois da morte de seu avô Graciliano, e seu pai morreu na década de 60?

Ricardo Ramos Filho – Algumas coincidências. Nasci em 4 de janeiro de 1954, quase um ano após a morte de Graciliano. Na mesma data que meu pai. Ricardo Ramos nasceu em 4 de janeiro de 1929. Graciliano morreu em 20 de março de 1953. Meu pai, em 20 de março de 1992. Repetiu, além do dia do mês, a mesma sexta-feira do pai.

MaisPB – Como é ser escritor e ter graduação em Matemática pela PUC, esse curso que quase ninguém consegue terminar?

Ricardo Ramos Filho – É um acidente. Muito jovem quis fugir da literatura. Achava que não teria estrutura para escrever sendo neto de Graciliano e filho de Ricardo. As comparações derrubariam o autor iniciante. Busquei o que havia de mais distante de Português: Matemática. Fiz o curso aos trancos e barrancos. Participava mais da vida política do curso, do que da sala de aula. Demorei muito a me formar e só o fiz por teimosia. Entrei na faculdade em 1974, graduei-me em 1985. Depois fui fazer o que gostava. Mestrado e Doutorado em Letras na USP.

MaisPB – Vamos falar de seu primeiro romance, “Toda poeira da calçada”, e temos novidades por aí?

Ricardo Ramos Filho – É um romance publicado pela Ed. Patuá, pode ser encontrado no site da editora e na Amazon, e em algumas livrarias. Fala de um escritor aposentado, o Rodrigo Ferreira Ferro. Os filhos já não moram com ele e a mulher, tem muito tempo disponível. Busca ocupar-se, mas ainda não se acostumou à vida longe do mundo corporativo. Tolera os dois gatos de estimação, gosta do espaço da casa em que vive, aceita relutante mudar-se para um apartamento, vontade da companheira. Luta com seus textos, circula pelas ruas do bairro a pé. Um dia encontra um quadro na calçada. Acaba conhecendo a autora, a russa Ludmila Karpova. A pandemia chega trazendo mudanças, problemas, separações. Rodrigo aprofunda-se na solidão que a velhice já havia inaugurado. O romance trata basicamente da estranheza ante um mundo hostil, principalmente àqueles mais idosos. Afinal, o etarismo está aí. E o idoso está longe de ser minoria, não é tratado nem protegido como tal. Ser escritor com mais de sessenta anos reduz o interesse pela obra, e poucos se deram conta disso.

MaisPB