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Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

Ana de Veizé

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publicado em 11/03/2022 às 07h14

Ela era daquelas mulheres de riso solto, alto e dobrado. Veizé, seu esposo, falava pouco, porque a esposa falava pelos dois. O mando sobre a casa se chamava poder: a inteligência em estado primitivo a proveu de um empoderamento quase não visto nas outras mulheres da longínqua zona rural, na cidadezinha do alto sertão da Paraíba.

Ana de Veizé já nascera empoderada. Diamante puro, (foto) envolto em largos vestidos de ramalhetes grandes e coloridos. Tinha uns cabelos longos e pretos. Ana de Veizé conduzia sua família sob rédeas curtas, por isso todos os seus filhos e filhas se moldaram nos melhores valores, construindo um caráter irretocável.

Era analfabeta, mas dona de uma verdade tão escorreita, que se impôs sobre todas as resistências que se lhe mostrassem às fuças. Andava, com frequência, lá em casa, onde almoçava na companhia de outras guerreiras do sertão: minha mãe, Catita e Maroca.

Tornou-se minha madrinha de São João e, em um dia em que eu estava febril e macambúzio, receitou-me chá de bosta de cachorro. Mãe executou a posologia com especial cuidado, porque ninguém resistia ao hipnotismo que emanava de cada célula daquela mulher com essência de rainha.

Madrinha Ana de Veizé era matreira, uma mestra na arte de “roubar santos”, para forçar os céus a deitar chuva na terra seca. As novenas que preparava eram as maiores e muito organizadas. Suas conversas eram longas e detalhadas. Algumas vezes, inverossímeis. A gesticulação era larga, na melhor retórica das mulheres daquele naipe e feitio.

E era uma exímia jogadora de sueca. Descobri aos 18 anos, em sua casa, à noitinha, quando perdi a partida sem ponto algum, mesmo tendo o ás de trunfo. Por muito tempo, ela riu de mim, uma gaitada gostosa, glorificação da sua esperteza, e eu, envergonhado, pela minha inocência manifesta. Havia uma justificativa: jogo algum era tolerado lá em casa por minha mãe, imagine o de baralho! Isso só ocorria na casa de Ana de Veizé, a dona da liberdade e de todas as interpretações por ela mesma forjadas, ao seu modo e talante.

@professorchicoleite

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