João Pessoa, 13 de setembro de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Disse-me ela:
— Sou Advogada. Alma e sangue. Nas minhas veias correm uma força e uma necessidade de lutar contra o racismo, contra o machismo, contra o preconceito e outras formas de discriminação veladas ou afoitas que violentam, cotidianamente, a dignidade humana.
Com espanto, minha viseira de homem branco, advogado de proa e assentado na meritocracia, ouve o complemento:
— Somente a advocacia poderia me instrumentalizar para esse combate, para o exercício daquilo que palpita em cada uma das minhas células, quase um dor, quase missão, razão de existência, uma compulsão.
—Mas o que um magistrado tem com isso? Não basta ser competente? Vociferei minha irresignação de classe média. Em transe, a Dra. Chica Leite respondeu:
— Foi meu pai, João Martins, um homem de pouquíssimas letras, quem me entusiasmou à resistência, um preto valente, um velho carteiro que nunca permitiu que sua filha baixasse a cabeça diante de poderosos ou de práticas desumanas, sobretudo as racistas.
Incrédulo, tento me retirar, mas a Dra. Chica Leite não para de falar:
— Todos os concorrentes são advogados e advogadas de larga experiência, notável conhecimento técnico, mas lembre-se: antes da competência, há um ser. Conheça-o, primeiro. As leis não só mostram seus enfeites. Muitas vezes, a competência de quem as interpreta é apenas a ostentação da defumação das carnes que estão exposta nas prateleiras, de quem quer vê-las dependuradas nos cercados que alimentam a injustiça social.
— Debulha, vai!
— Sou mulher, esposa, mãe e avó, a feminilidade herdada de Amabilia Lopes, uma mulher branca, pobre e analfabeta que se transformou em revendedora de quinquilharias nas ruas de Sousa, afinal não herdara a pensão pela morte do seu companheiro e precisava sustentar a filha única ainda dependente.
Sorri pelo canto da boca, o suor frio ensopando o meu jeito que estava revoltado com o aviltamento dos meus honorários de sucumbência. Então, enfiei minha visão de mundo, na cabeça dela:
—Afinal é candidata ao cargo de Desembargadora ou ao de vereadora?
Dra. Chica me indagou:
—Porque a esmagadora maioria dos juízes e juízas são pessoas brancas, oriundas das classes média ou abastadas economicamente, sem identificação cultural e/ou simbólica, ainda que próxima, com as pessoas vulneráveis que, por sinal, constituem a grande massa de pessoas encarcerada desse pais?
—E o que eu tenho com isso? Afirmei, irresoluto.
—Sou uma preta, orgulhosa de mim, da minha pele, do meu cabelo, da minha origem africana, da ombridade da raça negra que, em árdua luta, enfrenta, dia a dia, o racismo estrutural, a omissão estatal, a prisão, a perda criminosa dos seus filhos, o vilipêndio de um tempo que não tem a compostura em ser decente com a humanidade.
—E quer ser juíza? Aliás, Desembargadora! Ambiciosa, hein?
—Sou sertaneja, de Sousa. O alto sertão da Paraíba é poesia, mas é resiliência; é aridez, mas é oportunidade; é valentia, mas é serenidade; é pacatez, mas é afogueado do juízo; é fortaleza e ousadia. Eu sou “lá de nós”, com orgulho e competência!
—Até agora não me disse muito, retruquei.
—Eu sou da Ordem dos Advogados do Brasil, a casa da Cidadania e dos direitos humanos. Assumo, em plenitude, suas premissas, o seu Estatuto, o seu programa. Na OAB, milito há mais de vinte e cinco anos. Fui Secretária Geral da Comissão Nacional da Verdade e da Escravidão Negra e membra da Comissão Nacional de Promoção e Igualdade Racial do Conselho Federal. Da seccional da OAB-PB, fui Conselheira Estadual, a primeira Presidente da Rede de Sororidade, membra das Comissões estaduais de Prerrogativas, de Combate à Violência e Impunidade contra a mulher, de Direito de Família e Sucessões, de Direitos Humanos, vice-presidente da Comissão Estadual de eventos, ex-presidente da Comissão estadual de Combate ao Racismo e Discriminação Racial, Presidente de honra da Rede de sororidade, com Comenda da Seccional da OAB-PB em reconhecimento dos serviços prestados.
—Pelo menos isso, gemi.
—Eu entendo o que é ser advogada e ser advogado, por isso conheço suas agruras e percalços, suas dores, suas demandas. Como desembargadora, nos termos dos seus limites institucionais, jamais esquecerei essa origem. A advocacia estará em mim sempre. Não há como esquecer o que corre pelas minhas veias.
—Continue, eu disse com impaciência.
—Não represento partidos políticos, não ostento o nome de famílias abastadas ou tradicionais, não vivo nas confabulações e rodas prazerosas do poder nem meu sangue permeia o sangue dos que dominam os Tribunais. Não me ponho como vítima. Eu sou de luta. Sou simples, uma advogada sertaneja, vinda do interior. Para João Pessoa, só “trouxe a coragem e a cara. Eu penei, mas aqui cheguei”.
—Melhorando, melhorando…
—Coloco esse meu caminhar, a minha história, o meu trabalho, a minha disposição, o meu tempo, o meu nome, a minha vontade e a minha verdade à apreciação das advogadas e dos advogados do Estado da Paraíba à candidatura à lista Sêxtupla do Quinto constitucional da OAB-PB à vaga de desembargadora do Tribunal de Justiça do meu Estado.
—E a competência técnica?
—Vinte e cinco anos de atuação nas áreas do direito civil (sobretudo o de família) e dos direitos humanos. Fui Chefe da Assessoria jurídica da Ouvidoria do Município de João Pessoa por oito anos. Exerci até julho de 2024 suas atividades na assessoria jurídica às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar abrangidas pelo Programa Ronda Maria da Penha. Pós-graduada pela Escola Superior da Magistratura – ESMA-PB. Quer mais?
—E a norma jurídica?
—A norma jurídica é uma construção, cujo ponto de partida. de equilíbrio e de culminância é a vontade constitucional e legal. Podemos enxergar a norma jurídica pela perspectiva dos fundamentos da república federativa do Brasil? Dos seus objetivos fundamentais? Todos de índole constitucional. Cuidado, não faça do sistema normativo um cercado de linguiças! Primeiro há de ser gente para julgar o povo; segundo, a competência técnica é requisito que só é revigorada quando se tem alma e olhar serenos comprometidos com a justiça social e a dignidade humana. Não, a norma jurídica não é pura forma. A forma está presa pela vida. Deixemos a vida florescer .Eis o quer da nossa Constituição!
—E o que me diz para os advogados e advogadas da Paraíba?
—Que os tribunais se abram à acessibilidade à advocacia; respeito pelas prerrogativas; acesso à justiça; honorários dignos e justos. Tem mais…Posso contar com o seu apoio?
—Vou votar no 116…
—Sou eu, prazer. Chica Leite.
* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB
OPINIÃO - 06/11/2024