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Educador físico, psicólogo e dvogado. Especialista em Criminologia e Psicologia Criminal Investigativa. Ex-agente Especial da Polícia Federal Brasileira, sócio da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas e do Instituto Brasileiro de Justiça e Cidadania. Autor de livros sobre drogas.

Na relação traficante versus dependente de drogas, existe vítima?

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publicado em 04/11/2025 ás 14h31
Female junkie hand hand reaching for the dose on the table. Drug addiction concept

 

O que é ser vítima? Em resumo é qualquer pessoa natural que tenha sofrido danos físicos ou emocionais, em sua própria pessoa ou em seus bens, causados diretamente pela prática de um crime, ato infracional, calamidade pública, desastres naturais ou graves violações de direitos humanos.

Ao tratar-se dos crimes relacionados ao comércio ilícito de drogas, a legislação pátria considera como sujeito passivo deste delito a coletividade.

Esse tema sobre quem é a vítima nessa relação usuário versus traficante de drogas, veio à tona nas últimas semanas, instigado por uma declaração, do presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva que disse o seguinte: “…toda vez que a gente fala de combater as drogas, possivelmente fosse mais fácil a gente combater os nossos viciados internamente. Os usuários são responsáveis pelos traficantes que são vítimas dos usuários também. Você tem uma troca de gente que vende porque tem gente que compra […]. Então é preciso que a gente tenha mais cuidado no combate à droga”, disse Lula.

Não resta dúvida que o presidente foi infeliz nessa afirmação. Tanto é que ele se retratou posteriormente e retificou sua declaração.

É certo afirmar que só existe o traficante porque existe o usuário comprador, portanto, assim sendo, este pode ser considerado corresponsável por este dilema, mas, com certeza, o lado mais vulnerável e, consequentemente, a real vítima desta relação é o usuário / dependente químico, sendo que este não é a única vítima, as famílias destes consumidores e a sociedade em geral, de forma direta ou indireta também sofrem as consequências desse comportamento indevido. Só quem tem a verdadeira noção da gravidade que é a doença dependência química, é quem tem um dependente dentro de casa, pois normalmente nestes casos toda a família indiretamente se torna refém da situação e, portanto, também vítima desse problema.

O tráfico de drogas ilícitas é o braço mais lucrativo das organizações criminosas no mundo todo. Esta prática criminosa traz a reboque outros danos profundos e abrangentes à sociedade, fomentando a violência, desestabilizando a economia, sobrecarregando os sistemas de saúde e segurança pública, desestruturando comunidades e ajudando a perpetuar ciclos de pobreza e marginalização, especialmente nas periferias dos grandes centros urbanos. Estes criminosos agem explorando a miséria e a exclusão social, recrutando pessoas em situação de vulnerabilidade. Isso perpetua um ciclo de pobreza, violência e exclusão.

As disputas territoriais entre facções rivais por controle de mercados levam a assassinatos de usuários, de pessoas inocentes e também de pequenos auxiliares do tráfico que terminam sendo vítimas da sua própria missão. Mas não para por aí, outros crimes violentos e prejuízos são comuns, como: a prática de furtos, roubos, assaltos com uso de armas de fogo, a lavagem de dinheiro, a exploração sexual de jovens vulneráveis, o tráfico de armas, e, consequentemente, o enfraquecimento da segurança pública, uma vez que, a violência gerada pelo tráfico sobrecarrega os órgãos de segurança, desviando recursos que poderiam ser aplicados na prevenção de outros tipos de crime.

Pode-se acrescentar ainda que, mesmo que de forma indireta, acarreta uma sobrecarga do sistema de saúde. O tratamento de dependentes químicos e de vítimas de crimes relacionados ao tráfico gera custos elevadíssimos para os órgãos de saúde pública, e tais custos têm crescido de forma geométrica, especialmente pelo novo modismo de consumo das drogas ilícitas sintéticas. Tal fato, atrelado à adulteração destas substâncias, tem provocado um aumento significativo de doenças físicas, transtornos psiquiátricos e, consequentemente, um recorde de mortes por overdose em vários lugares do mundo.

É importante lembrar ainda que o poderio financeiro dos traficantes advindo das suas ações ilícitas alimenta a corrupção de agentes públicos corroendo a confiança da sociedade nas instituições púbicas. Também prejudica o crescimento econômico e mina a receita fiscal do poder público.

Em relação ao perfil dos usuários e dependentes de drogas ilícitas, todas as classes sociais consomem indevidamente e abusivamente estas substâncias. Já em relação aos traficantes, embora estudos nacionais mostrem um aumento do envolvimento de pessoas de classe média e alta e com maior escolaridade e renda, participando do tráfico, especialmente em nichos específicos como no ambiente universitário e ambientes festivos frequentados por esta classe social mais privilegiada financeiramente, a maioria dos que exercem esta prática ilícita, à exceção da cúpula das facções criminosas, é composta de pequenos traficantes, com idade entre 15 a 30 anos, do sexo masculino, de cor parda ou preta, com baixa escolaridade e residente em periferias desassistidas pelo poder público. Assim sendo, é fácil deduzir que a pobreza e a vulnerabilidade social são fatores impulsionadores e facilitadores para o aliciamento e, consequentemente, ingresso de muitos desses jovens no tráfico.

Portanto, é fundamental investir em políticas públicas que tratem o problema das drogas como uma questão multifatorial: de saúde, social, e também de segurança pública. A prevenção, o tratamento e a reintegração social são cruciais. Assim, é indispensável à promoção de ações efetivas que visem reduzir a exclusão social e a pobreza dessas comunidades, e fomente ações que ofereçam oportunidades de emprego e educação, visando diminuir a reincidência criminal, e aumentar a condição econômica desses indivíduos. Isto só será possível com a capacitação profissional destes jovens, aí inclusos aqueles egressos do sistema penal. O problema só tem aumentado, e isso certamente significa que, embora seja importante a doação de auxílios sociais a estas pessoas carentes e vulneráveis, a inclusão verdadeira só será possível com a capacitação profissional e a criação de empregos; “esmolas” camufladas na forma de pequenos auxílios sociais intermináveis, só tem fomentado uma legião de pessoas desmotivadas e acomodadas a viver de auxílios sociais e ou pequenos delitos. Nenhum país será capaz de crescer, apenas premiando a ociosidade e o comodismo. Só será possível ajudar a reduzir a vulnerabilidade de comunidades ao aliciamento promovido pelo tráfico de drogas com ações efetivas e a motivação desses indivíduos a ingressarem no mercado legal de trabalho.        É notório que muitos jovens ingressam no tráfico pela falta de oportunidades de educação, emprego e renda, e desta forma são vítimas e autores deste mesmo problema, mas não há como colocar em dúvida quem é a vítima em potencial e o algoz nessa relação ilícita. O usuário, especialmente o dependente químico, sem dúvida é a verdadeira e mais vulnerável vítima do tráfico de drogas.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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