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Kubitschek Pinheiro – MaisPB
Fotos – Júlia Assis e Laís Cunha
Mais que uma dupla, o amor nas entrelinhas, Rodrigo Campello e Jana Linhares estreiam o projeto Luna Music, um novo selo que chega com a proposta de valorizar a música autoral e elevar o potencial da arte brasileira, que ganha um novo espaço de criação e inovação
O primeiro lançamento do selo, o EP “Peças de Uma Exposição Vol.1 – Tarsila”, de Rodrigo Campello, três canções inspirado em três obras de Tarsila do Amaral e já está disponível em todos os aplicativos desde o dia primeiro de setembro, data que marca o nascimento da pintora modernista Tarsila do Amaral. As canções têm as participações de Lívia Nestrovski, Ney Matogrosso e Barulhista.
Estão no EP canções inspiradas nas obras de Tarsila do Amaral: Manacá (1924), A Negra (1923) e Abaporu (1928). Em “Manacá”, a delicadeza da tela ganha na voz de Lívia Nestrovski, com arranjos de violão, teclados e efeitos que ressaltam sua atmosfera onírica. Já em “A Negra”, Campello e Barulhista traduzem em som a potência da figura monumental criada por Tarsila, unindo violão tenor, percussões eletrônicas e camadas de texturas eletrônicas, em diálogo também com o texto de Maria do Amparo.
Fechando o EP, “O Coco do Abaporu” a tela mais famosa da artista modernista em uma interpretação de Rodrigo Campello e Ney Matogrosso, marcada por arranjos experimentais, percussões híbridas e timbres que transformam a pintura em uma verdadeira festa sonora.
Rodrigo Campello e Jana Linhares conversaram com o MaisPB e falam do projeto Luna Music e das canções inspiradas na obra de Tarsila do Amaral.
MaisPB – Como aconteceu esse casamento sonoro com as obras de Tarsila?
Rodrigo Campello –É curioso como chegamos à Tarsila. Na verdade, a ideia do projeto veio quando compus com Maira Knox, que me deu três textos para musicar. Fiquei pensando na estética da escrita, de me parecerem colagens, frases fortes jogadas em sequência, compondo uma ideia ou impressão geral. Foi quase como uma brincadeira de criança, “se essa música fosse um quadro, que quadro ela seria…”. Aí pensei nas colagens, na estética Dadaísta, e me deu a ideia de que essas composições deveriam obedecer a essa estética ou energia.
MaisPB – Tem a lembrança do clássico “Quadros de Uma Exposição”, do romântico russo Mussorgsky…
Rodrigo Campello – Então, compus nessa direção e, lembrando do clássico “Quadros de Uma Exposição”, do romântico russo Mussorgsky, resolvi ampliar o escopo. Já tinha feito alguns volumes assim, convidando um (a) compositor (a), intérprete ou produtor (a) para visitar três obras de determinado artista plástico. Em uma visita ao meu estúdio, convidei o mineiro Barulhista para compormos juntos um volume. Imediatamente o nome de Tarsila surgiu, pesquisamos rapidamente três telas dela e fechamos com Manacá, A Negra e, claro, Abaporu.
MaisPB – E Tarsila é demais, né?
Rodrigo Campello – Tarsila é um ícone, um farol de brasilidade e universalidade. E vai além, pelo seu contexto de vida, do modernismo e do que esse grupo representa, como expoente. Abaporu, por exemplo, foi dado de presente ao seu então marido, Oswald de Andrade. Ele, após observar essa obra, viu ali naquela figura surreal a massa trabalhadora, braços fortes, cabeça pequena (como é que eu faço pra pensar…). Em seguida ele escreveu simplesmente o Manifesto Antropofágico.
MaisPB – Vamos ter o volume 2 nesse sentido – focado em Tarsila?
Rodrigo Campello – Boa pergunta… Tarsila apenas já geraria muitos volumes. Mas há tantos artistas e estéticas para visitar, tantos amigos talentosos para embarcar nessa aventura comigo… Então fechei nessa ideia de, em cada volume, três obras de um artista plástico e um colega convidado. Acho também que essa ideia se encaixa no propósito do selo Luna Music, de apostar na diversidade de cores do cenário atual. O fato de eu ser, em primeira análise, produtor musical, também corrobora isso. Faço muitas coisas diferentes e respeito todos os caminhos. Como engenheiro de som e técnico de mixagem, também tenho contato com todo o tipo de artista e gosto muito disso. Um deles foi o Rogério Skylab: após um dos cinco discos dele que mixei, o convidei para um volume. Resultou que as letras do Skylab para essas faixas falam de memória e esquecimento, por isso visitamos um artista incrível da Paraíba. José Rufino é professor de Artes Visuais na Universidade Federal da Paraíba, um cara que tá aí, vivo, produzindo, contemporâneo nosso. Vai ser um dos volumes lançados ano que vem pelo selo Luna Music.
MaisPB – A canção ´A Negra´ tem um som que vai crescendo, crescendo, até que vem a voz de Maria do Amparo – Vamos falar dessa canção
Rodrigo Campello – Como você mesmo disse, ela cresce apenas para desaguar no momento do texto. Aí é importante a atmosfera de paisagem, para que brilhe a voz de Maria. Esse texto é baseado num depoimento de Mãe Stella de Oxossi, importante Yalorixá no cenário das religiões afro-brasileiras. Minha ideia, olhando esse quadro, foi pensar na pessoa que tinha posado para Tarsila, quem era aquela pessoa, qual a história dela, como individualizar a figura da mulher negra do início do século passado. Esse texto adaptado fez todo o sentido, narrando a diáspora involuntária e violenta da ancestralidade daquela figura forte, sensual e surreal do quadro, pelo olhar de Tarsila.
MaisPB – O Coco do Abaporu é fantástico, impressionante, começa com o som de Capoeira se não estou enganado, e depois vem o barulhinho tecnológico e a voz de Ney misturada com a sua, a letra que define o Abaporu como um ser de verdade, é demais – falaí?
Rodrigo Campello – O começo é um pandeiro de côco sobre uma sequência atonal e caótica numa bateria eletrônica. Metáfora do próprio movimento antropofágico. Oswald pregava que o brasileiro engolisse tudo, os clássicos todos, os modernos, tudo. E que deglutisse tudo isso em arte, em uma identidade nova, brasileira. Abaporu significa canibal, “o homem que come gente” em algum dialeto Tupi-Guarani. É fácil identificá-lo como um personagem. Ney é, além de tudo, um ator fantástico. Eu simplesmente via o Ney encarnando essa música, esse texto. Mostrei pra ele ainda numa demo, meio sem expectativa. Mas ele gostou e quis cantar, foi de fato uma honra muito grande. Mas foi também muito divertido, ele embarcou completamente no personagem. Ney é um gigante generoso. Para mim, ele é o Abaporu da MPB.
Jana Linhares
MaisPB – Que novidade boa é essa, o Luna Music, como veio essa sacada?
Jana Linhares – Sempre acreditei na força do coletivo. Quando nos reunimos, a luz não se divide, ela se expande. Lá em 2011, junto com Penna Firme e Dom Oliveira, criei o coletivo “Os Novos Cariocas”, promovendo encontros de artistas independentes. A experiência foi linda, mas o caminho da independência artística é árduo e, com o tempo, cada um seguiu seu rumo. Ao longo da minha trajetória, acumulei conexões e experiências em diversos setores da música, tanto pelo legado da minha família quanto pelas escolhas e buscas do meu próprio trabalho. Há algum tempo vinha com o desejo de voltar a atuar de forma coletiva, mas não tinha clareza de como. Esse entendimento veio no Rio2C deste ano, especialmente ao acompanhar o Fórum Iberoamericano de Mercados de Música, organizado pela minha querida amiga Dani Ribas. Voltei inspirada e percebi que o papel que posso exercer hoje é o de facilitar a chegada das músicas ao mundo. Quase como uma “doula musical”. Assim nasceu o Luna Music.
MaisPB – Vocês vão abrir espaços para os novos artistas do Nordeste?
Jana Linhares – É uma possibilidade, sim. Eu admiro profundamente a música produzida no Nordeste: é rica, autêntica e cheia de potência criativa. Neste momento, estamos focados em estruturar nossos próprios trabalhos, os meus e os do Rodrigo, entendendo nosso posicionamento e a repercussão do selo. Mas não tenho dúvida de que o Luna Music está aberto a acolher artistas nordestinos no futuro.
MaisPB – Jana vai lançar um EP nesse projeto?
Jana Linhares – Sim, em breve. Ele será um dos lançamentos do selo: um EP inspirado na Renascença inglesa e no pintor Joshua Reynolds. É um trabalho muito diferente de tudo o que já fiz até hoje, mas ao mesmo tempo me trouxe uma sensação de familiaridade. Foi um mergulho delicioso em outro universo e um grande desafio artístico. Mas prefiro não dar muitos spoilers ainda…
Rodrigo e Jana
Rodrigo Campello – Iniciou sua carreira profissional em 1976, participando, como violonista, de movimentos como a redescoberta do Choro. Fez parte do regional Anjos da Madrugada, conjunto de choro batizado por Nélson Cavaquinho. Com o grupo, atuou com diversos artistas, com destaque para Cartola, e participou de vários eventos de choro (Clube do Choro, festivais e shows), com outros conjuntos, como Os Carioquinhas, Galo Preto e Éramos Felizes. Atuou como cavaquinista e violonista de seis e sete cordas, com Beth Carvalho, acompanhando a cantora em shows e gravações, de 1976 a 1980. Paralelamente, trabalhou com outros artistas, como Martinho da Vila, Rildo Hora, Cartola e Nélson Cavaquinho.
Na década de 1980, participou, como guitarrista, de shows e gravações de Joyce, João Bosco, Nana, Dori e Danilo Caymmi, Paulo Moura, Zé Ramalho e Moraes Moreira, entre outros. A partir de 1990, começou a atuar também como arranjador e produtor musical, tendo assinado trabalhos com artistas como Marisa Monte, Artho Lindsay, Lenine, Marcos Suzano, Caetano Veloso e Gilberto Gil.
Jana Linhares – Lançou seu primeiro CD “TecnologiAmor”, em 2014, com oito faixas e participações especiais de Lenine e Dona Ivone Lara. Em 2016 realizou uma turnê pela Europa, apresentando-se em casas de shows na Polônia, França, Holanda e Inglaterra.
Em 2018 lançou, pelo selo Nomad/ Som Livre, o CD “Perto da Lua”, uma homenagem a Nelson Cavaquinho, que contou com as participações de Marcos Suzano, Sacha Amback, Pretinho da Serrinha, Nicolas Krassik, Filipe Catto e Nei Lopes.
Em 2020 lançou os singles autorais “Pra chegar aqui” (c/ Rodrigo Campello), “Casa de rainha” (c/ Ilya), “Oração à Lua” (c/ Zé Motta), “Le chemin” (c/ Rodrigo Campello) e “Delicadeza perdida no tempo” (c/ Jam da Silva), que contou com a participação da historiadora e poetisa Aline Rochedo Pachamama.
Em 2022 lançou o CD autoral “Tempo de delicadeza”, produzido por Rodrigo Campello, com a participação especial de Ney Matogrosso em “Batendo minhas asas” e Fernanda Cabral em “Irmã das estrelas”
ENTREVISTA À REDE MAIS - 12/09/2025