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Em breve artigo para o jornal A União, publicado em meados dos anos 70 do século passado, Osias Gomes me juntava a nomes já consagrados da poesia contemporânea da Paraíba, a exemplo de Jomar Moraes Souto, Vanildo Brito, Celso Otávio Novaes e Sérgio de Castro Pinto, entre outros. Devo a ele, portanto, à primeira referência pública ao meu nome como poeta, e o primeiro aporte crítico sobre meus textos, embora ainda fosse inédito em livro. De fato, minha estreia, com A geometria da paixão, data de 1986.
Em 1978, li seu romance, Estertor, publicado pela Editora Universitária em 1972. Narrativa de ficção científica e utopia social, na vertente de Aldous Huxley e George Orwell, porém, sem a perspectiva distópica e pessimista desses autores, uma vez que alicerçada em fundamentos teológicos de origem bíblica associados às categorias científicas, que terminam, dentro da fabulação, por sinalizar e garantir a redenção da humanidade.
Em 10 de dezembro de 1978, o Correio das Artes, à época sob a editoria de Jurandy Moura, veicula resenha crítica de minha autoria, analisando, em linhas gerais, a estrutura do romance. Mesmo reconhecendo a originalidade e o pioneirismo do tema, o domínio vernacular, a fluência verbal e a erudição do escritor, advogado e jornalista, faço-lhe algumas restrições, principalmente pelo tom ensaístico e doutrinário característico do romance de tese, como pode ilustrar esta passagem do texto:
“Romance, será mesmo romance ou principalmente exposição novelesca de um sonho, de uma ideia, de uma visão – digamos assim atualíssima – de um tempo futuro, de um tempo que certamente está por vir? Sim, porque o texto não consubstancia quase nada de estrutura narrativa, nem mesmo um laivo de análise psicológica das personagens, criação substancialmente ficcional, enredo, trama, episódios etc.”
Em carta, de 13 de dezembro de 1978, a mim destinada, Osias Gomes me agradece o artigo e faz algumas ponderações acerca de seu romance, decerto válidas e necessárias no amplo espaço das concepções literárias.
Falando acerca da obra, afirma, logo no primeiro parágrafo da carta: “(…) Uma coisa não lhe pode ser negada, e foi a sua originalidade inventiva no escalão científico e no social, neste último como síntese e fundição das numerosas utopias que já pontuavam a curva do pensamento filosófico”.
Mais adiante, atento a meus senões apontados, revida, com elegância e maturidade, com estas palavras: “Vejo que entendeu profundamente a trama do meu livro, apesar das vozes em contrário no sentido de que lhe falta o atrativo dum enredo à moda clássica. Além disso foi escrito para bons entendedores, e um dos processos usados a fim de torná-lo menos vulgar cingiu-se em falar mais pelas entrelinhas do que pelo texto ostensivo. Acusaram-no ainda de demasiado absurdo em sua fantasia, mas qual é a fantasia a que falte o ingrediente atordoador do inverossímil?”.
Trago à tona estes fatos da vida literária local para registrar a presença relevante de um de seus atores fundamentais, circunscrito ao quadro das antigas gerações. Se incursionou isoladamente pelo campo singular da ficção científica em território paraibano, palmilhando os caminhos do romance, Osias Gomes foi também o jornalista histórico que fez de A União a plataforma incendiária das ideias liberais nos anos 30, embora seu articulismo, constante e persistente até os últimos anos de vida, tenha contemplado temas e assuntos os mais variados, polígrafo e polímata que era e dos mais completos.
Acadêmico, Osias Gomes se notabiliza como orador e ensaísta, senhor de uma rica e multifacetada herança literária. Seus discursos e suas reflexões exegéticas podem ser conhecidos através das páginas que publicou, em especial, nas Revistas da Academia Paraibana de Letras. A compilação destes textos dariam um volume de valor inestimável, sobretudo para o deleite das novas gerações estudiosas. Ao jurista de Da apreciação pelo Poder Judiciário do mérito dos inquéritos administrativos e de Ação rescisória, entre outros estudos jurídicos, ao memorialista de Baruque, vem juntar-se o misto de teólogo e filósofo de Paulo de Tarso e o pensamento moderno, numa demonstração irrefutável de sua vasta e complexa organização intelectual.
De estilo inconfundível, dado ao cultivo do vocábulo raro e precioso, da frase eloquente e de exuberância intertextual, ditados decerto pela formação sólida e pelo incansável trato com os livros, Osias Gomes é desses nomes que se devem guardar no seleto aconchego da memória cultural. Foi esse homem notável que conheci na juventude e com o qual muito aprendi, lendo seus textos sempre lastreados por fecundo saber humanístico.
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