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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

A ternura implacável da coruja

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publicado em 05/12/2023 às 07h00
atualizado em 04/12/2023 às 18h06

Da varanda, escutei um baque. Não era o animal social.

Logo vi a gata Cinza correndo atrás de uma coruja, que não parecia conter medos. O olho sensacional, hipnotizante e corria rápido, entrou na sala da nossa casa, passou pelo corredor e chegou ao quarto. Parecia uma pessoa fugindo da guerra.

A gata ainda adolescente insistia, chegava perto, como uma cobra dando o bote – uma cena impressionante. Uma coruja jovem, mas bem esperta, dentro da nossa casa.

Vi um pranto na mistura desses dois animais, o felino predador e o pássaro correndo perigo. Nada igual as minhas mãos soltas no ar, todas as vezes que os pássaros chegam de manhã cedinho.

Lembrei de um bando de andorinhas que vi em Tambaú, mas não eram andorinhas. Lembrei do sertão – das melhores coisas:  os pássaros nas arvores, sem ter a quem dar satisfação. Isso já é um bom voo.

Ser livre, até no voo da morte, sem precisar ficar pra semente. Há pessoas que não conseguem viver só, e ficam remoendo solidões até desparecem.

Meu olhar, não necessariamente voraz, mas veloz, teve que agir antes que o gato matasse a coruja. Fui em cima e vi que ela se escondia de mim, de todos.

Meu olhar demorado, a lanterna do celular acesa e minha tristeza cercada desses reparos, mas eu não ligo, quer dizer, ligo, aprendi a ser só e a me defender..

A coruja já estava misturada aos meus sapatos, peguei pelas asas cuidadosamente, olhei bem no olho dela, tentando estabelecer uma relação de proteção, mas ela estava assustada, uma constatação de que havia uma chance de sobrevivência nesse mundo cheio de pássaros mortos.

Viver é perigoso, de resto, pede uma fruição individual, solitária, mas não venha botar cara feia que eu também sou coruja. Talvez pela sua ‘natureza’, a coruja sabe muito bem que no chão, ela não está segura, mas é na terra que ela faz seu ninho.

Eu contemplo essa oportunidade, para acertar mais adiante.

Não sei porque estou escrevendo isso, já que salvei a coruja e não deixei o felino flâneur realizar sua viagem, espreitando sua prenda.

Sim, não abro mão da minha ternura, mas esqueci de dizer a coruja, que a vida pode ser maravilhosa.

Kapetadas

1 – Conseguir um órgão para transplante não é impossível. Só ouvidos é que ninguém dá.

2 – Se o mundo fosse um lugar feliz, o homem não teria inventado a gargalhada.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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