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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

O gato de Nelsinho

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publicado em 17/09/2023 às 08h12

Lembrei na hora da canção de Chet Baker, “I fall in love too easily”, quando vi a postagem de Nelsinho Motta, sobre seu gato Max, que morreu a semana passada. Como está na letra, eu também me apaixono muito facilmente, – é do homem, não é dos gatos, talvez dos cachorros, que quando a gente chama pelo nome, eles atendem com o rabo abanando, mas o amor anda devagar.

A música de Chet Baker nos acalma. É uma coisa bonita se imaginar dançando com alguém numa festa, se é que alguém dança ouvindo I fall in love too easily. Talvez, coladinho. Melhor seria Fred Astairee e Ginger Rogers dançando Cheek to Cheek – o Fred que dança e canta numa elegância pura. Majestoso, comovente, emocionante. lindamente realizado.

Imagino que Nelsinho Motta deve ter dançado com Max, tamanha intimidade entre eles, como na cena do filme “Revelações” em que Anthony Hopkins dança Cheek to Cheek, com o vizinho Gary Alan. É um delírio.

O seu amor pelo gato Max, quase amarelo, o peito branco, tinha, tem, teve muita amabilidade dentro, do que o animal possa oferecer, já que os gatos não dão muita bola para os donos.

O Max viveu 16 anos. Pela postagem do jornalista, pareccia um amor da adolescência, cujos passeios de mãos dadas são nervosos, até no falar. Não, amor de Nelsinho Mota por Max era amadurecido. Lembro de um texto na Folha de São Paulo, do poeta Ferreira Gullar, dizendo que quando ele chegava em casa, sua gatinha amorosa se escondia.

A vida avança em espera elástica, sem a paciência com a agonia da gente, por isso mesmo, a vida nos trai, mas o espanto poético é de Manuel Bandeira.

Nelsinho disse que é duro de chorar, mas que “nunca chorou tanto na vida” e adiante revelou que “raras pessoas” lhe deram tanto amor como ele, o gato Max. “Amor de verdade, sincero e intenso”. O leitor pode achar que estou inventando, que não existe essa relação entre o homem e um animal, muito embora não somos chineses, somos todos fagulhas, “na certeza de um sonho acabado”. Eu não invento nada, apenas acrescento, como faço agora.

Nelsinho lembrou que em 2007, quando voltou do hospital para casa, depois de duas cirurgias “punk na medula” teve que ficar um mês na cama, mas o Max chegou na hora, se deitou na beirada e “não saiu mais dali”.

“Gato de caráter”, escreveu Motta. Gato tem caráter, Nelsinho? Tem sim. Caráter, meu pai dizia, é uma coisa biológica, perdeu, fudeu.

Gatos e histórias, dos amores que viveram antes de nós. Tem estradas e casas e aromas, e até dizem que eles são donos das casas, seus territórios, como um ribeiro ali ao fundo, uma janela a dar para os telhados, uma noite de fogo, eles têm sono o dia todo e fome e sede e têm o silêncio e o som, as árvores e plantas, a lua a nascer num céu ainda claro e a dor de ser tanta coisa ao mesmo tempo. Os gatos são donos da gente.

Eu fiquei comovido com o que Nelsinho Motta escreveu – a despedida dele com Max, um último abraço, para além do que podermos ser, a companhia de um gato fica acima do encantado ou o encantador, feito um quadro pendurado na parede da casa, que está com muitos significados.

Fiz um comentário em sua postagem, falando que temos aqui em casa, nos trópicos paraibanos, um gato amarelo: o nome dele é Nito, um corruptela de Bonito, que veio morar conosco ainda bebê, dos escombros de uma construção. Já tivemos outros gatos, nenhum como Nito, que a gente chama e ele vem.

Nito é como a música de Chet Baker, I fall in love too easily, uma paixão sem fim, de gostar de ficar em cima da barriga da gente e poucos sabem o significado disso.

Grandes escritores escreveram sobre gatos, os gatos de Guimarães Rosa, de Hemingway, Borges, de Nelsinho Motta. Fazia tempo que eu não via uma declaração de amor tão viva e dolorida, como a perda do Max, o gato de Nelsinho.

Kapetadas

1 – Mulheres e gatos agem como bem entendem. Homens e cães deveriam relaxar e acostumar-se com isso. (Robert A. Heinlein)

2 – De todas as criaturas de Deus, somente uma não pode ser castigada. Essa é o gato. Se fosse possível cruzar o homem com o gato, melhoraria o homem, mas pioraria o gato. (Mark Twain)

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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