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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

di significato contrário

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publicado em 09/09/2023 às 07h00
atualizado em 09/09/2023 às 05h19

eu escrevia cartas de amor e algumas tinham o movimento da luz e das datas inteiras.  verões e inversos.

não eram cartas reveladoras, eram cartas de amor. eu nunca recebi cartas de amor, entre elas, as cartas de meu pai, que eram cartas de amor.

minha mãe não sabia ler nem escrever e aquilo me deixava muito triste,  no significato contrário da vida.  Como uma pessoa não saber ler, nem escrever e conseguiu me colocar no mundo? preferia não ter nascido. talvez por isso eu sempre penso no tempo de antes de eu nascer, como foi, como deixou de ser.

minhas mãos abertas e o antônimo delas mesmas, às vezes sobre a mesa, às vezes falando por mim. não tenho armas, não sei atirar.

até pareciam verdadeiras as cartas de amor que eu escrevia. pensava muito nisso, mas eu gostava de escrever cartas de amor, mesmo sem eu ter um amor.

no lume quente, causticante a assinalar um gozo pronto, no porto mais (in)seguro da minha vida sozinha, eu gostava sim, de escrever cartas de amor.

pensava muito nas pessoas que recebiam minhas cartas de amor, que elas se sentissem nos passeios de mãos dadas e se realizassem no invento das palavras minhas.

das cidades por onde passei, escrevi muitas cartas de amor, até mesmo quando morei longe, escrevi cartas de amor. de todas as ruas em que morei, no centro, nos bairros, em todos os lugares escrevi cartas de amor.

lembrou-me dos destinatários e do sabor dos primeiros desejos e do algodão doce na boca, da eternidade das cartas de amor.

a “moça cosendo roupa, com a linha do Equador”, para ela também escrevi cartas de amor, para o homem que vendia pão doce e da maravilha de tudo parecer assim, com minhas cartas de amor.

a música, deusa musa, dizia tudo que eu escrevia nas cartas de amor que voltavam pra mim, as cartas que eu escrevia.

minhas cartas de amor nunca terminavam numa frase com um para sempre, meu amor. Nunca.

nunca mais escrevi cartas de amor, nem meu corpo dissolúvel desse tempo de antes, nada, nem  mais uma vontade de escrever cartas de amor, que era só isso que importava.

outro dia, do outro lado da via pensei em escrever uma carta de amor, mas os amores morreram todos.

Kapetadas

1 – Ciclos. Tudo é ciclos.

2 – Jura dizer a verdade, só mente a verdade?

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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